O movimento de "internacionalização" das cadeias produtivas nacionais tem respaldo no avanço da concentração da posse da terra em mãos de poucos brasileiros e a atração cada vez maior de estrangeiros para esse tipo de investimento. Nos 11 Estados responsáveis por 90% desses registros, há 1.396 municípios com comunicado oficial de terras compradas por estrangeiros, segundo cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) - 124 desses municípios têm metade das áreas de médias e grandes propriedades em nome de estrangeiros. No total, há 3,6 milhões de hectares em mãos estrangeiras nas regiões Sul e Centro-Oeste, além de São Paulo, Minas, Bahia, Pará, Tocantins e Amazonas.
O capital internacional tem buscado, no Brasil, o alto potencial das terras locais para produzir commodities e matérias-primas para biocombustíveis. Mas o dinheiro estrangeiro também mira a valorização dessas terras. As recentes incorporações das usinas da Santelisa Vale pela francesa Louis Dreyfus e do grupo Moema pela americana Bunge reforçam a tendência de consolidação da presença estrangeira. No ano passado, mesmo com a crise financeira global e a queda dos preços das commodities em relação às máximas pré-debacle, o agronegócio recebeu 20% de todos os IEDs no Brasil. Em 2009, o BC projeta US$ 25 bilhões de investimentos estrangeiros no país - e o campo deverá absorver entre US$ 5 bilhões e US$ 7,5 bilhões do total.
O Incra, responsável pelo controle das informações da posse da terra no país, está preocupado com o avanço estrangeiro. "A terra é um meio de produção finito. Há uma forte disputa pela terra, que foi acirrada pelas crises mundiais de energia e de alimentos", avalia o presidente do Incra, Rolf Hackbart. O estudo do BC aponta que o movimento de "internacionalização" ajudou a elevar a produção doméstica no curto prazo, mas aumentou a concentração agroindustrial e reduziu o valor da produção agrícola no período. "A concentração elevada está associada aos investimentos estrangeiros", diz Hackbart. A solução, segundo ele, seria aprovar regras mais duras de controle sobre a posse dessas terras. "É preciso corrigir a legislação para termos regras para aquisição de terras por estrangeiros. Não é xenofobia, mas a defesa da nossa soberania sobre o uso dessas terras".
O Palácio do Planalto avalia, desde 1997, alterar as regras para restringir o capital estrangeiro na compra de terras. A Advocacia-Geral da União (AGU) deve apresentar nova norma para equiparar empresas nacionais com capital estrangeiro às companhias controladas por acionistas não-residentes no país ou com sede no exterior. Em áreas situadas ao longo da faixa de 150 quilômetros das fronteiras continuará necessária autorização do Conselho de Defesa Nacional para aquisição e arrendamento.
Concentração e desigualdade
O estudo do Banco Central alerta, ainda, que o processo de concentração da produção e das exportações do agronegócio tem contribuído para elevar as diferenças regionais na geração de riqueza. Além disso, o BC afirma que a indústria de insumos tem pressionado para baixo os preços ao produtor. Quanto maior o IED na agroindústria, menor o valor da produção agropecuária. A cada aumento de 1% no IED no segmento, haveria redução de 0,22% na produção, diz o estudo. Isso porque, explica o BC, a concentração agroindustrial, via fusões ou aquisições, eleva o poder das empresas e reduz os ganhos dos produtores.
Na análise do setor, o BC constata que os IEDs direcionam aportes para um grupo reduzido de produtos, como algodão, carnes, soja, óleo, etanol, açúcar e sucos de frutas, cuja participação no comércio internacional é relevante. A avaliação do BC também aponta que o setor ainda é bastante dependente da importação de insumos, como matérias-primas para adubos. Fatores como abundância de terras, competitividade e produtividade do agronegócio nacional têm atraído cada vez mais investimentos estrangeiros ao país.
Um impacto positivo desse movimento é o desempenho das exportações. O BC calcula que a cada 1% de aumento nas exportações do setor, a produção agrícola cresceria 0,35%. A cada dólar investido na agropecuária, a produção aumenta R$ 18,90. E a cada dólar exportado, esse valor quase dobra para R$ 1,80. "Mas isso fortalece a dependência dos produtores brasileiros da produção de commodities para exportação e as estratégias das empresas globais", diz o estudo.
Fonte: Valor Economico