
Utopia é necessária para mover a história, mas junto com as utopias andam também as ilusões, que nada mudam e muito confundem. O desenvolvimento econômico que quase todos os economistas têm na cabeça – da esquerda a direita, nada tem de sustentável do ponto de vista ambiental. A acumulação de capital é o seu fim, e não apenas meio. Daí que toda finalidade nova do desenvolvimento, ao estilo justiça social, liberdade humana sustentabilidade ambiental, etc., afeta seriamente a acumulação do capital, segundo o padrão prevalecente desde a 1ª Revolução Industrial. Não há porque ignorar que estas utopias batem de frente com os interesses do capital e do dinheiro, agora organizados em escala global.
Trazendo a discussão foco da Conferência de Copenhague para o Brasil atual, podemos desde logo vislumbrar a distância que separa um acordo aparentemente gestado sob apelo do estado de necessidade, face aos interesses concretos que movem o discurso do desenvolvimento econômico no Brasil contemporâneo.
As metas de redução de dióxido de carbono que o Brasil aparentemente apresentaria em Copenhague, pelo que ora se conhece, concentram-se basicamente no setor primário da economia – redução substancial do desmatamento, redução da colheita de cana mediante queima, substituição do uso de combustíveis fósseis, etc. Mas isto se choca com o padrão de especialização em “commodities”, (primarização do comércio exterior) e por via de consequência da economia com um todo, que o país vem sistematicamente perseguindo há praticamente uma década. Este padrão está associado a globalização financeira, requer crescimento extensivo da agropecuária e da extração mineral e uma crescente liberalidade para “mercadorizar” os recursos naturais – terras, florestas, águas, subsolo, etc.
Copenhague pode significar o início de um ciclo novo de desenvolvimento mundial, desde que percebida como estado de necessidade que ajudaria a criar acordos de convicção, para aplainar o campo de uma nova utopia - a do desenvolvimento sustentável. No meio disto há o campo das conveniências e do desacordo face aos interesses estabelecidos.
Deve-se recordar com o debate climático, com relativo consenso internacional sobre a natureza do problema, vem desde a Conferência Rio – 1992. Fruto deste consenso, emergiu no final da década o acordo para redução da emissão de gases poluentes, na Conferência de Kyoto no Japão - o Protocolo de mesmo nome, praticamente abortado pela resistência norte-americana. Desde então o consenso científico aumentou sobre as causas do efeito estufa. Mas o consenso político não evolui com tanta firmeza. Lembrar que este mesmo período (1992-2009) é de afirmação da hegemonia da acumulação financeira no mundo, cuja ótica é ética batem de frente com a utopia do desenvolvimento sustentável.
Em síntese, Copenhague é um novo momento de afirmação da esperança e de descarte das ilusões.
(*) Economista e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Fonte: Radioagência NP