Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

ARTIGO

"Há uma convicção que está se generalizando: assim como está, a humanidade não pode continuar. O modo atual de produção e consumo faz de tudo uma mercadoria, inclusive as realidades mais sagradas como a vida, os órgãos e os genes. A cada ano, 3.500 espécies desaparecem da face da Terra devido às agressões sistemáticas à natureza", escreve o teólogo Leonardo Boff.
Segundo ele, "nos últimos séculos, estivemos exilados da Terra. Temos de voltar ao nosso lar e cuidar dele porque se encontra ameaçado em seu equilíbrio e em seu futuro". Eis o artigo


Duas visões sobre a Terra se contrapõem em nosso tempo. Para uns, é matéria extensa e sem espírito, entregue ao ser humano para que possa explorá-la e expressar sua liberdade criativa conforme seu desejo. Para outros, é nosso lar, um superorganismo vivo que se autorregula, com uma comunidade vital única. Optar por uma ou outra visão tem consequências totalmente diferentes: a cooperação e o respeito, ou a agressão e a dominação.

 

A humanidade sempre considerou a Terra como a grande mãe que inspirava amor, veneração e respeito. Porém, desde a irrupção da ciência moderna, com René Descartes, Galileu Galilei e Francis Bacon, a partir do século XVI começou a ser considerada como objeto, “res extensa”, que pode submeter-se à intervenção humana, inclusive violenta, para extrair os benefícios de seus recursos e serviços. Era o projeto do “dominium mundi”. Criou maravilhas como as máquinas e os antibióticos, nos levou à Lua e ao espaço exterior.

Seria obscurantista não reconhecer os méritos desse desígnio. Entretanto, deve-se reconhecer também que a razão instrumental e analítica – sem complementar-se com a razão emocional, sensível e cordial, fundamental para o mundo dos valores – construiu uma máquina de morte, capaz de destruir a espécie humana mediante 25 formas diferentes, com armas nucleares, químicas e biológicas. Nossa geração é a primeira na história da antropogênesis que se transformou em uma força geofísica destrutiva.

Há uma convicção que está se generalizando: assim como está, a humanidade não pode continuar. O modo atual de produção e consumo faz de tudo uma mercadoria, inclusive as realidades mais sagradas como a vida, os órgãos e os genes. A cada ano, 3.500 espécies desaparecem da face da Terra devido às agressões sistemáticas à natureza. A roda do aquecimento global começou a girar e não pode ser detida, apenas se pode reduzir sua velocidade e minimizar seus efeitos catastróficos. Isto pode devastar muitos ecossistemas, arrastando consigo milhões de pessoas obrigadas a se deslocar ou morrer.

Portanto, temos de mudar para sobreviver. O futuro será uma promessa de vida se inaugurarmos “um novo modo sustentável de viver”, como o formulado pela Carta da Terra. É urgente mudar nosso sistema de exploração do planeta e de seus recursos e nossas formas de relações sociais, com mais inclusão, mais igualdade e sintonia com o universo. É imprescindível assumir uma ética do cuidado, do respeito, da responsabilidade, da solidariedade, da cooperação e, não em último lugar, de compaixão com os que sofrem na humanidade e na natureza.

Hoje sabemos que a Terra não possui vida somente em sua atmosfera, formando dessa forma a biosfera, mas que ela mesma é vivente e produtora de todas as expressões vitais. Os modernos a chamam Gaia, o nome mitológico grego para designar a Terra vivente. Nesse contexto crítico, deve-se voltar à concepção da Terra como mãe. Temos que unir dois polos: o mais ancestral, da Terra como mãe de nossos povos originários, com o mais contemporâneo, da nova astrofísica e biologia que vê o planeta como Gaia.

O que São Francisco de Assis contemplava em sua mística cósmica há mais de 800 anos, quando cantava o sol como Senhor e Irmão e a Terra como Mãe e Irmã e chamava todos os seres de irmãos e irmãs, hoje sabemos por uma verificação empírica da biologia genética e molecular. Todos os seres vivos, desde a bactéria que emergiu há 3,8 bilhões de anos, passando pelas grandes florestas, dos dinossauros aos cavalos, dos colibris até nós, temos o mesmo alfabeto genético.

Todos somos constituídos pelos mesmos 20 aminoácidos e as mesmas quatro bases fosfatadas (adenina, timina, citosina e guanina). Somente a combinação das letras químicas deste alfabeto com suas respectivas bases produz as diferenças da grande diversidade biológica. Portanto, todos somos irmãos e irmãs, membros da grande comunidade de vida. Assim, não há meio ambiente, mas o ambiente inteiro. Nós, os seres humanos, não estamos fora ou acima da natureza. Estamos dentro dela, como parte de sua realidade. Somos a porção consciente e inteligente da Terra. Nos últimos séculos, estivemos exilados da Terra. Temos de voltar ao nosso lar e cuidar dele porque se encontra ameaçado em seu equilíbrio e em seu futuro.

 

 

Fonte: Agência Envolverde, 25-08-2009

 

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