Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

\"\"Em entrevista à Radioagência NP, a coordenadora da CPT de Pernambuco, Marluce Melo, comenta sobre o modelo de produção dos agrocombustíveis e a relação com a pobreza na região. Ela também faz um alerta sobre as condições degradantes de famílias inteiras que trabalham nos canaviais, em especial, sobre a condição das mulheres canavieiras.

A Zona da Mata de Pernambuco é considerada a região de maior produção de cana-de-açúcar no estado. Todos os seus 43 municípios têm na produção do monocultivo uma das atividades econômicas predominantes.

Enquanto a produtividade bate recordes no estado, os índices de desenvolvimento humano e de concentração de terras são alarmantes. Em alguns municípios, o índice GINI de concentração de terras chega a atingir 0,9, em uma escala de zero a um. Pelo índice de GINI, quanto mais próximo do número um, maior é a concentração de terras. Dados divulgados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) mostram que, nos últimos anos, o setor sucroalcooleiro foi o ramo da economia que mais utilizou da mão-de-obra escrava. No ano de 2008, por exemplo, 49% dos trabalhadores resgatado do regime de trabalho escravo no Brasil trabalhavam no corte da cana.

Em entrevista à Radioagência NP, a coordenadora da CPT de Pernambuco, Marluce Melo, comenta sobre o modelo de produção dos agrocombustíveis e a relação com a pobreza na região. Ela também faz um alerta sobre as condições degradantes de famílias inteiras que trabalham nos canaviais, em especial, sobre a condição das mulheres canavieiras. .

Radioagência NP: A CPT afirma que uma das bases de sustentação do modelo de produção da cana é o trabalho escravo. Comente essa afirmação.

Marluce Melo: A produção de açúcar e álcool, a partir do monocultivo da cana-de-açúcar, é inviável, quer seja socialmente, economicamente e ambientalmente. Esse modelo de produção, todos os anos no período de safra, nos estados de Pernambuco e de Alagoas, recebe centenas de denúncias de casos de trabalho escravo. E dessas denúncias, poucas originam um procedimento de investigação efetivo e sério por parte do Ministério Público do Trabalho. Nas operações realizadas na safra neste mês foram registrados 650 casos de trabalho similar à escravidão em Alagoas e cerca de 700 em Pernambuco. Algumas usinas são fechadas pela força tarefa, mas logo depois, após inspeção judicial, voltam a ser liberadas e já se sabe que na próxima safra a escravidão vai retornar.

RNP: De que forma o trabalho na cana afeta a saúde das mulheres?

MA: As condições do trabalho na cana são desfavoráveis tanto para os homens quanto para as mulheres. Para as mulheres, as consequências são piores porque elas acordam uma, duas horas da madrugada para já deixar a comida pronta para as crianças e só retornam às 16 horas. A rotina é trabalhar até a exaustão, para produzir mais, no sol quente, sem equipamentos individuais, sem luva, sem máscara, sem nenhuma proteção. Durante a gravidez elas chegam a trabalhar até a ultima hora e, quando chegam em casa, ainda fazem o serviço doméstico.

RNP: Quais são as principais reivindicações que elas fazem?

MA: Dos direitos trabalhistas que elas já haviam conquistado no final da década de 80 e 90. A liberação dos exames preventivos duas vezes ao ano, trabalhar apenas oito horas, ter creche no trabalho, ter o direito de amamentar seus filhos, além de medidas de prevenção contra o assédio sexual, ter o direito ao salário maternidade e ter o direito de fazer todos os exames durante a gravidez.

RNP: Foi constatada uma diminuição do número de mulheres com carteira assinada nas usinas em Pernambuco. Qual a justificativa desta diminuição?

MA: Essa diminuição acontece principalmente por conta das conquistas dos direitos trabalhistas que as usinas não garantem. Uma forma é não contratar as mulheres. Boa parte das mulheres são todas clandestinas, trabalham tanto clandestinamente, como também, por conta das necessidades, ajudam os maridos e os filhos a aumentar a produção de cana cortada durante o dia.

RNP: Milhares de famílias na zona da mata do estado estão submetidas ao modelo de produção da cana, comente sobre isso.


MA:
Historicamente a concentração da terra e da renda gerada pelo monocultivo da cana tem causado essa dependência econômica. Impediu que outras economias surgissem na região. Então, a única alternativa é a cana. A partir de meados da década de 90, com as ocupações das terras de plantio de cana, iniciou-se uma esperança para a população dessas cidades da zona canavieira, mas a política governamental não tem reforçado essa luta para produzir alimentos.

RNP: Qual a posição do governo diante dessa situação?


MA: A posição é de fortalecimento desse modelo de monocultivo da cana para a produção de açúcar e álcool. O governo subsidia de várias formas. Por meio do perdão das dívidas. São R$ 4 bilhões que os usineiros pernambucanos devem de impostos e tributos. Além disso, tem o perdão, os empréstimos, e novos financiamentos para impulsionar a produção de agrocombustíveis. Os números comprovam que a oferta do crédito rural do governo federal para a agricultura empresarial, nessa safra, foi de R$ 65 bilhões contra apenas R$ 13 bilhões para a agricultura familiar.



De Caruaru, da Radioagência NP, Marcos Felipe.

 

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