Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

São Paulo, SP - A guinada pró-sustentabilidade nos bancos brasileiros deixou de lado o agronegócio, setor que representa mais de um quinto do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil e que tem sido em muitos casos um dos principais vetores do desmatamento desenfreado da cobertura florestal em diferentes biomas, degradação do solo, poluição e assoreamento dos rios e da desordem na estrutura fundiária do país.

\"\"José Alberto Gonçalves

No Brasil, entre os bancos mais atuantes no setor rural, apenas o Rabobank desenvolveu uma política para o setor agrícola, com instrumentos de indução a boas práticas, tais como o abatimento de até meio ponto percentual na taxa de juros do crédito rural para os produtores com melhor pontuação socioambiental na classificação de risco (ver reportagem sobre o Rabobank)

Os outros bancos tratam a atividade em suas políticas gerais de sustentabilidade, à exceção do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que, embora não tenha formulado uma política específica para lidar com o agronegócio, utiliza um guia de procedimentos ambientais de caráter indicativo para o setor na análise dos pedidos de financiamento de produtores e empresas. Os projetos são classificados em três categorias: A (riscos de impactos ambientais significativos), B (riscos de impactos mais leves) e C (sem riscos).

Não se sabe, porém, como as avaliações dos técnicos do departamento de meio ambiente do banco são levadas em conta no momento em que a instituição aprova ou recusa uma solicitação de empréstimo. Nem se avaliação ambiental pode levar o banco a condicionar a liberação das parcelas do financiamento à solução de pendências identificadas na análise das propostas. Os desembolsos do BNDES para o complexo agroindustrial deverão somar aproximadamente R$ 14 bilhões em 2008, praticamente o dobro do montante liberado em 2005.

Desembolsos do BNDES para o complexo agroindustrial, em R$ mil

 

2005

2006

2007

2008*

Norte

155.840

192.474

178.293

144.792

Nordeste

552.480

382.480

453.251

505.647

Sudeste

2.763.288

3.307.072

4.838.630

5.530.791

Sul

2.257.509

2.176.869

2.903.606

2.818.322

Centro-Oeste

1.232.902

1.026.493

1.410.243

3.024.639

Total

6.962.018

7.085.387

9.784.022

12.024.190

* até outubro

 

Fonte: BNDES

 

 

O banco informa que está atualizando seus guias de procedimentos ambientais, atualmente com versões para cinco setores, para torná-los mais detalhados e rigorosos e deve relançá-los no início de 2009. Um desses guias terá como foco o setor sucroalcooleiro. Também está em desenvolvimento no BNDES uma série de indicadores de desempenho socioambiental do setor agrícola tomando como base as melhores práticas dos projetos financiados até hoje pela instituição. Ainda sem previsão de lançamento, a primeira série de indicadores tratará do setor de açúcar e álcool.

Embora não opere uma política socioambiental específica para o agronegócio com prerrogativa de vetar ou condicionar a liberação de um empréstimo à correção de problemas, o BNDES adota procedimentos para apoiar o setor. “Uma das diretrizes é não financiar projetos que necessitem da abertura de novas áreas sem que seu uso tenha sido autorizado pelo Zoneamento Ecológico-Econômico”, afirma Eduardo Bandeira de Mello, chefe do departamento de meio ambiente do banco.

Para João Roberto Lopes, um dos coordenadores do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), “a classificação de risco do BNDES tem pouca efetividade. O departamento de meio ambiente do banco é um apêndice da área social, sem força política para influenciar a análise dos projetos”. Ele também reclama da falta de transparência do banco. “A Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais pediu ao BNDES que tornasse pública a classificação de risco socioambiental de seus clientes. O banco disse que não pode abrir essa informação sob risco de quebrar o sigilo bancário”, lembra Lopes.

O Ibase é uma das entidades que integram a Plataforma BNDES, uma frente de entidades que lutam pela democratização do banco, e a Rede Brasil, uma coalizão de ONGs que monitora a atuação de organizações multilaterais como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Condicionantes

O banco Real, que agora faz parte do grupo espanhol Santander, não possui uma política especial para o agronegócio, mas adota procedimentos importantes nas suas operações com o setor, tais como condicionantes levadas em conta pelos analistas de risco socioambiental na avaliação de financiamentos a agricultores, pecuaristas e agroindústrias com valor superior a R$ 6 milhões. Entre as condicionantes mais comuns, estão a regularização de licenças ambientais das unidades de produção da empresa, a instalação de equipamentos de controle ambiental e programas para melhorar a saúde e a segurança dos funcionários e terceirizados.

“Caso haja não-conformidades socioambientais em algumas unidades e a empresa demonstre interesse em corrigi-las, ficamos com o cliente e criamos condicionantes para sua permanência na carteira de crédito do banco. Dependendo da relação com o cliente, podemos até agir conjuntamente na resolução do problema por meio de assessoria”, diz Christopher Wells, superintendente de risco socioambiental do Real.

Por outro lado, um crédito existente pode ser cortado ou um novo financiamento negado pelo Real se a maioria das unidades produtivas da empresa apresentar problemas como a inexistência de áreas de preservação permanente (APPs) e de reserva legal averbada em cartório, irrigação ineficiente, solo degradado e descumprimento da legislação trabalhista. Isso já ocorreu com algumas empresas que tiveram seu empréstimo cancelado pela prática de trabalho escravo ou muitas multas ambientais e trabalhistas, diz Wells, sem revelar dados sobre número e valor de pedidos negados, empréstimos cancelados ou financiamentos concedidos sob condicionantes.

Outra complicação enfrentada pelos bancos é rastrear onde os clientes do tipo pessoa física possuem terras. “Alguém que mora em São Paulo capital e tem uma conta numa agência no bairro dos Jardins pode possuir terras no Pará. Uma vez que o cadastro do cliente é renovado com pouca freqüência, o que é uma prática de muitos bancos, fica difícil saber se o cliente possui ou não terras na Amazônia”, explica Wells.

É difícil, também, rastrear o uso de empréstimos não enquadrados na modalidade “crédito rural”, regulado pelo Manual de Crédito Rural (MCR) do Banco Central. Um cliente pode tomar dinheiro de seu limite de cheque especial e comprar uma picape para os trabalhos em sua fazenda. “Os bancos não estão estruturados para checar esse tipo de informação, que o cliente, aliás, não tem nenhuma obrigação de divulgar”, assinala o executivo do Real, que também preside a Mesa Redonda da Soja Responsável (RTRS na sigla em inglês).

 

 

Fonte: Estação Vida.

22/12/2008

 

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