Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

\"\"“Os Camponeses e as Camponesas dependem das Sementes Crioulas, assim como, as sementes crioulas dependem dos camponeses e das camponesas." A humanidade sustenta-se há milhares de anos, desenvolvendo e aprimorando conhecimentos nos diferentes locais e por diferentes povos. Assim surgiu a agricultura, pelas mãos das mulheres, que a milhares de anos alimenta a população mundial. A agricultura foi desenvolvida e melhorada pelos camponeses e pelas camponesas, pela observação da natureza e adaptando milhares de variedades de sementes no mundo todo. Esse modelo prosperou por milhares de anos e sempre conseguiu produzir alimentos e viver harmonicamente com a natureza e demais seres vivos.


Evanir José Albarello*

Mas o que aconteceu com a identidade e a vida camponesa?

Nos últimos anos, buscando concentrar riquezas, grandes grupos econômicos, começaram a investir na agricultura. Impuseram as sementes híbridas, os adubos químicos, os agrotóxicos, as altas tecnologias, a monocultura e recentemente as sementes transgênicas. Obrigaram os camponeses a produzir monoculturas, a destruir o meio ambiente, a deixar de lado seu modo de vida, sua cultura, seus costumes e seus valores. Impuseram a ideologia do mercado e do “progresso” o que gerou um forte êxodo rural, com concentração das terras, da renda e o empobrecimento dos camponeses e das camponesas. Padronizaram o mercado ditando o que vamos plantar e o que vamos comer. Passaram a dizer que colono era atrasado e caipira. Não permitiram que criássemos porcos, galinhas e outros animais crioulos, destruíram nossas hortas, pomares, hábitos e costumes.

A identidade camponesa é o reconhecimento do que os identifica, do que lhe é próprio, reconhecer a afinidade própria com as pessoas e grupos. A identidade camponesa é expressa pelo modo de vida, pelos hábitos alimentares e comidas típicas, pela cultura, pela música, pelas danças, pela mística e religiosidade, pelo jeito de produzir e de cuidar da terra. Para o camponês e a camponesa a terra é o lugar de reproduzir e cuidar da vida.

As sementes crioulas são o elo entre o camponês e a camponesa e sua identidade. Como poderá sobreviver um camponês, uma camponesa e suas famílias sem possuir sementes?  As sementes crioulas foram arrancadas, roubadas dos camponeses e das camponesas e junto com elas o conhecimento milenar sobre o processo de cuidado e produção das sementes. Qual o camponês e a camponesa que domina o processo de produção das sementes híbridas e transgênicas?

Muitos resistiram, cuidaram e multiplicaram as sementes crioulas. Sementes crioulas são grãos, cereais, flores, plantas nativas, frutas nativas, ervas medicinais, animais crioulos, tubérculos, hortaliças... Hoje o camponês e a camponesa dependem das sementes crioulas, bem como as sementes crioulas dependem dos camponeses e das camponesas, pois é impossível viver na roça com autonomia e liberdade sem que os camponeses e as camponesas conheçam e dominam o saber sobre a produção de suas sementes. Elas são seu maior patrimônio, são capazes de gerar vida saudável e tem um valor sagrado. Sementes são fontes de vida e se misturam com a própria vida das pessoas que cultivam a terra. As sentes crioulas representam fartura, saúde e continuidade da vida.

A identidade camponesa está sempre ligada com as sementes que cultiva. Quando faz o cultivo com as sementes crioulas o camponês e a camponesa estabelecem uma relação de complementaridade, que passa pela sua opção, pelo preparo da terra, pelo cuidado, pela fartura da colheita e pela diversidade de alimentos que lhe garantem saúde, autonomia e prosperidade.

Sua identidade está no jeito de viver, no privilégio de estar em sintonia com a natureza. Ela está ligada com os hábitos alimentares: pratos típicos, diversos, que respeitam a origem e o costume regional, aproveitam que tem na propriedade e que seja produzido em casa; costumes como: o mutirão, a troca e o empréstimo de ferramentas e equipamentos, a troca de produtos e sementes entre as famílias, festas de aniversário; festas tradicionais, religiosas e típicas do meio rural, festa das sementes crioulas e das colheitas, comemoração do dia 25 de julho; lazer nas comunidades com resgate das brincadeiras de rodas, esporte, gincanas, danças e bailes; educação pública e de qualidade, com escolas no meio rural e voltada para a realidade da vida camponesa; e o desenvolvimento da agroecologia como um jeito moderno de produção que garanta a sustentabilidade, o equilíbrio ambiental e a permanência do camponês e da camponesa na roça com dignidade de vida.

A identidade camponesa é a expressão de seu povo e da sua vida. Se expressa no seu cotidiano e orgulha as famílias que estão ou querem voltar para a terra e estabelecem vínculos de vizinhança e de crescimento coletivo.


Porto alegre, 20 de outubro de 2008.

*Evanir José Albarello é Educador Popular e estudante do Curso de Serviço Social.

 

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