Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

\"\"A luta contra a fome no Nordeste não deve ser encarada em termos simplistas de luta contra a seca, mas de luta contra o subdesenvolvimento em todo o seu complexo regional, expressão da monocultura e do latifúndio... Todas as medidas e iniciativas não passarão de medidas paliativas para lutar contra a fome, enquanto não se proceder a uma reforma agrária racional que liberte as suas populações da servidão da terra, pondo a terra a serviço de suas necessidades.” Este trecho pertence à obra “Geografia da Fome” do renomado geógrafo Josué de Castro. Este clássico brasileiro publicado em 1946, trouxe para a sociedade brasileira e mundial, uma análise do problema da fome no Brasil, associada aos fatores econômicos, que no caso brasileiro, está mais do que ligado à posse e uso da terra.

Nesta obra, Josué faz um claro alerta das medidas que devem ser tomadas para a superação do problema da fome no Brasil. Algumas delas foram adotas, outras como, por exemplo, a realização da reforma agrária, não.

Para uma análise mais aprofundada da validade da obra do autor ainda nos dias de hoje, a Radioagência NP entrevistou a socióloga e filha do autor, Ana Maria de Castro.

Radiogência NP: Faça uma análise do mapa da fome no Brasil. O que mudou da época em que Josué de Castro escreveu o livro, para cá?

Ana Maria de Castro: O mundo mudou e no caso do Brasil você vai ter, devido a não realização da reforma agrária, um êxodo rural muito grande, as pessoas vêm para as cidades habitar as favelas. E essa expulsão do homem do campo para as cidades vai levar a um tipo de fome mais acentuada, na medida em que você também não cria trabalho, nem emprego e não gera renda e daí a impossibilidade dele comprar alimento. Então aquilo que ele [Josué de Castro] dizia que, principalmente no sul do país, você tinha um quadro de algumas carências, mas não de fome específica, e também o retrato que ele faz para o Norte e Nordeste é diferente do que você encontra hoje no país, mas não significa que não haja fome. Mas você deve considerar também que hoje você tem programas como Bolsa Família que aliviam isso, fato que naquela época [primeira metade do século vinte] era impossível.

RNP: Hoje se pode afirmar que a população brasileira é livre tanto da fome como do que ele denomina de carências alimentares?

A.M.C: Não. Quando ele falava que existia dois tipos de fome, sendo que uma delas é uma fome oculta, é o que acontece hoje quando certos institutos difundem que a nossa população não passa mais fome e que ela é obesa. Ela é obesa porque o que ela tem acesso é a farinha e é tudo aquilo que vai levar então ao aparecimento de uma gordura que não é uma gordura saudável. Quer dizer ele é aparentemente obeso, mas é uma pessoa carente de proteínas, vitaminas, sais minerais e mais uma série de coisas.

RNP: Josué de Castro dedica boa parte do livro ao ciclo de desenvolvimento do Nordeste baseado na cultura da cana, mostrando como isso foi o gene dos problemas de nutrição da região. No entanto, hoje isso se repete em vastas áreas com a produção de etanol para exportação. Isso significa que nós não aprendemos a lição?

A.M.C: O grande problema reside no fato de que dados mostram que hoje a agricultura familiar fornece 60% dos alimentos que vai para a população, e você tem o que Josué dizia que você só pode melhorar o que ele denominava de fome e que hoje chamamos de subnutrição ou segurança alimentar, se você, entre outras coisas, prestigiasse a agricultura familiar para que ela possa produzir mais e melhor para atender às necessidades da população.

RNP: Mas o Brasil continua a investir mais no agronegócio?

A.M.C: No entanto, e isso ele também criticou, o caso do nosso modelo de desenvolvimento, a monocultura onde você tem zonas enormes onde não se planta um alimento. Assim foi com a região açucareira do Nordeste, o café no Sudeste, enfim qualquer dos nossos ciclos econômicos levou com que você não se preocupasse nem em plantar, nem em colher alimentos.


Fonte: Radioagência NP

 

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