Harriet Tubman era apelidada de ‘Moises do seu povo’. Lembremos: Deus disse a Moises: “Eu vi a humilhação do meu povo. Ouvi seus gritos. Descendi para liberá-los e levá-los para uma terra onde jorram leite e mel. Vá! Liberta meu povo! Já!” Outra mulher intrépida tem inspirado meu caminho no Brasil: a irmã Dorothy Stang, o ‘Anjo da Amazônia’. Seu irmão Tom está conosco nesta noite. Membro da CPT, ela tinha optado pelos pobres, ajudando-os a fazer de suas vidas de desgraça vidas de esperança. Em defesa da floresta, Dorothy lutou ao lado dos sem-terra pela justiça e pela reforma agrária. Ela denunciou o falso ‘progresso’ pelo qual até hoje se mantêm as profundas raízes da escravidão. Entre os mandantes de seu assassinato, estava um moderno escravagista. Harriet, Dorothy, a sua impetuosa compaixão é nossa força, sua confiante determinação, nossa energia. Obrigado! Esse prêmio é seu!
Leonardo Sakamoto bateu na mesma tecla:
“Muita gente em todo o mundo tem lucros absurdos com a super exploração do trabalho. Dinheiro é poder. E, muitas vezes, poder precisa de violência para se manter. Muitos fazendeiros ricos se sentem confortáveis para estabelecer sua própria lei e usar trabalho escravo no Brasil. Há corporações internacionais que apóiam essas práticas, sempre pedindo mais por menos, sem se preocupar com as pessoas que serão esmagadas para isso acontecer. Ao mesmo tempo, a pobreza cria seus escravos. Por isso, o fim da escravidão depende do fim da desigualdade social. O que requer uma redistribuição de renda, de oportunidades, de terras e de justiça, garantindo melhores condições de vida a todos. Quando isso acontecer, os trabalhadores rurais serão realmente livres. Nós dedicamos este prêmio à próxima geração de trabalhadores rurais do mundo. Que eles possam desfrutar da liberdade negada a seus pais.”
Na sequência, os premiados estiveram em Washington, para várias audiências especialmente com Congressistas. Eu tive ainda a oportunidade de dedicar quatro dias à visita in loco de duas organizações de trabalhadores migrantes latinos (mexicanos, guatemaltecas e haitianos): a CIW (Coalition of Immokalee Workers: coalição dos trabalhadores de Immokalee), na Flórida e a FLOC (Farm Labor Organizing Committee: comitê de organização dos assalariados rurais ), na Carolina do Norte, em luta contra a super exploração e o trabalho escravo nas lavouras de tomate e nas lavouras de fumo, respectivamente. Ao presenciar, em Immokalee, os bóia-fria madrugando diariamente na espera de improvável contratação, lembrei imagem idêntica vista em Juazeiro do Norte, BA. Articulada em amplas alianças, a luta do CIW contra os gigantes do fast-food tem dado resultados apreciáveis. Nos EUA há entre dois e três milhões desses trabalhadores imigrantes temporários, quase exclusivamente latinos e muitíssimos ‘ilegais’.
Além do prêmio em si (um importante impulso para a notoriedade e credibilidade bem como para o acesso a recursos), Free the Slaves - uma versão americana da britânica Antislavery International - comprometeu-se em promover o estreitamento de relações e intercâmbios entre premiados e demais parceiros da entidade. Deve servir de exemplo para isso o recente e proveitoso intercâmbio organizado pela Trócaire entre a CPT, Repórter Brasil e vários parceiros do Paquistão (estes passaram 10 dias no Brasil em agosto, devolvendo-nos a visita do ano passado ao Paquistão).
De imediato, um cheque substancial e uma estatueta de bronze acompanham o prêmio. À figura esculpida pelo artista John Soderberg[ii], os premiados deram o apelido de Dorothy. Hoje, além do Brasil, Dorothy está em Manila, Acra e Kampala.
No dizer do artista, a obra[iii] “trata do emergir de um ser, arrancando-se da dor e do tormento para algo melhor, a liberdade. A escultura, que pode ser todo ser humano, emerge de uma terra fissurada, consumada em chamas. Suas formas vão se afinando e crescem em beleza ao se aproximar de uma vida nova. Ela não espera passivamente a liberdade. É forte, corajosa o bastante para assumir esse arrancar para a liberdade. Enquanto uma mão joga para longe as correntes da escravidão, a outra se estende com firmeza à medida que vai alcançando a libertação”. No dizer do bispo Tutu, “Deus já andava muito arrependido por ter criado o homem, mas, observando todos esses lutadores, voltou a pensar que, sim, valeu a pena”
Veja o vídeo no endereço: http://www.freetheslaves.net/NETCOMMUNITY/Page.aspx?pid=447&srcid=183)
[i] Foram 4 prêmios:
- duas para entidades: o prêmio Harriet Tubman community (do nome de uma ativista da luta anti-escravagista nos EUA que depois de fugir se dedicou ao resgate de outros centenas de escravos), atribuídos à CPT e Repórter Brasil juntos; o prêmio Harriet Tubman ‘reintegração’, atribuído ao projeto Friends of Orphans, em Uganda (que auxilia na reintegração social de crianças e jovens recrutados como soldados na guerra civil).
- dois para pessoas com atuação significativa contra a escravidão atribuídos ao James Kofi Annan, de Gana, que trabalhou como escravo quando criança, na pesca, e hoje ajuda a resgatar e proteger crianças em situação de vulnerabilidade (prêmio Frederick Douglas Purpose) e à Amihan Abueva, das Filipinas. que trabalha no combate à exploração sexual e o tráfico de crianças, no programa ECPAT (prêmio William Wilberforce Leadership).
Além disso duas estudantes, a peruana Jessica Leslie e a indiana Aashika Damodar, ganharam um fellowship (um ano de trabalho e estudo remunerado, na equipe da Free the Slaves): prêmio Anne Templeton Zimmerman.
[ii] “com 10 anos de idade em Auschwitz e 18 anos passados na Ásia... movido pela empatia... conheci a brutalidade dos homens, mas, dessa mesma humanidade, presenciei momentos de rara beleza, esperança, compaixão e fé”: http://www.johnsoderberg.com/artist.php
[iii] Fotos da criação: http://www.freetheslaves.net/NETCOMMUNITY/Page.aspx?pid=455&srcid=447.
Fonte: Comissão Pastoral da Terra