Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Elizabeth Teixeira nasceu em Sapé/PB, em 13 de fevereiro de 1925. Seu pai era fazendeiro, proprietário e comerciante na região. Frequentou escola mas não terminou o primário. Aprendeu bem a ler, escrever e dominar as quatro operações de matemáticas. Não continuou os estudos porque o pai a proibiu, dizendo que já sabia o suficiente. Saiu da escola para trabalhar na mercearia do pai. Como era muito boa em matemática, o pai lhe confiou a função de fazer as contas das mercadorias vendidas. Foi neste estabelecimento comercial que ela conheceu João Pedro Teixeira. Em entrevista à CPT Nordeste, Elizabeth contou que o pai era exigente, mas viviam bem até o momento em que João Pedro a pediu em casamento. “Meu pai não aceitou porque João Pedro era negro e operário pobre”, relembra.

 

Nesta época, João Pedro trabalhava em uma pedreira, perto da fazenda do pai de Elizabeth. “Tive que fugir e casar com 16 anos”, conta. O pai insistiu por diversas vezes para que se separasse de João Pedro, mas Elizabeth nunca aceitou as propostas e ofertas da família. Teve 11 filhos e um convívio feliz com João Pedro.  Quando estava grávida de seu segundo filho, Abrahão Teixeira, Elizabeth foi morar em Recife/PE. Na ocasião, João Pedro participava da luta da classe trabalhadora e ajudou na fundação do Sindicato dos Trabalhadores na Construção em Recife. Por conta da luta, os empresários não davam emprego a João Pedro. Com a família passando fome, tiveram que voltar para a Paraíba. Já no estado onde nasceu Elizabeth, a situação era a mesma: fome e miséria. João Pedro começava a questionar aquela situação e a entrar na luta dos camponeses. Foi de Engenho em Engenho para saber como faziam para sobreviver as famílias camponesas diante de tanta miséria e concentração de renda e terra. A partir daí, começa à luta das Ligas Camponesas.

 João Pedro: odiado, perseguido, ameaçado e preso várias vezes por ordem dos latifundiários. Chegou a fugir várias vezes para Recife e até para o Rio de Janeiro, onde ficou escondido durante oito meses. Vivendo sozinha neste período, Elizabeth Teixeira conta que recebeu solidariedade dos companheiros da luta, que a ajudavam, não deixando faltar nada à família durante a ausência de João Pedro. Com o crescimento das Ligas, aumentaram as ameaças contra o líder camponês, que em 1962 foi brutalmente assassinado em uma emboscada preparada por pistoleiros. Foram três tiros, pelas costas.

 Elizabeth declarou, em entrevista à CPT, que em vida, João Pedro sempre falava para ela dar continuidade a luta pela Reforma Agrária. Depois da morte do marido, Elizabeth reuniu os militantes da Liga em uma grande Assembleia, com mais de dois mil camponeses e camponesas. Elizabeth relembra que na ocasião todas as mulheres dos companheiros das Ligas compareceram à Assembleia e falaram em uma só voz: “Elizabeth, estamos com você no seguimento à luta de João Pedro!”. Ela assumiu, então, a liderança das Ligas e a partir daí sofreu diversos atentados de morte. Havia até quem lhe oferecesse dinheiro para abandonar a luta, mas ela continuou firme, junto às famílias camponesas na luta pela Reforma Agrária.

 "Um dia após o golpe tentaram incendiar minha casa, mas não me encontraram, porque estava em Galiléia, cidade de Vitória, a 58 km de Recife. Quando soube do fato, fugi para dentro das matas e no dia seguinte, conseguimos chegar até Recife. Depois, cheguei a João Pessoa, procurei notícias dos meus filhos e acabei sendo presa. Passei três meses e 24 dias na prisão, no Agrupamento de Engenharia”, relembra. Quando foi solta, fugiu com o filho mais novo, Carlos, para a cidade de São Rafael, interior do Rio Grande do Norte, onde viveu por 16 anos com o nome de Marta Maria da Costa. Os outros filhos ficaram espalhados.

 Na vida clandestina, lavou roupa de ganho, ficou doente por conta da água poluída do rio, passou fome. Sem poder trabalhar lavando roupa, vivia de pequenas ajudas, comida doada pelos pobres do local. Um dia percebeu que as crianças da cidade de São Rafael viviam pelas ruas, sem escola, sem ensino nenhum, e aí falou com as mães que podia ensinar as crianças em troca de comida para ela e o filho Carlos.

 As mães aceitaram, uma cedeu uma cadeira, outra emprestou a sala da sua casa, que logo se transformou em sala de aula. Assim, Elizabeth começou a ensinar às crianças a ler, escrever e contar. Na temporada que passou em São Rafael, a líder camponesa sempre falava com as pessoas sobre a situação de pobreza e a falta da Reforma Agrária. Chegava até a conversar com o Presidente do Sindicato Rural de São Rafael sobre a situação do povo do campo, mas ninguém sabia que ela era a viúva de João Pedro. Foi no ano de 1981 que aconteceu o encontro entre ela e o cineasta Eduardo Coutinho, que a encontrou com a ajuda de seu filho, Abrahão (que na ocasião já trabalhava como jornalista em Patos/PB), após uma longa peregrinação. Ela abandonou a vida clandestina, assumiu seu verdadeiro nome e voltou para João Pessoa onde vive até os dias atuais.

 Retornar à João Pessoa após a clandestinidade lhe dava uma primeira tarefa: reencontrar seus outros filhos que estavam espalhados entre Paraíba, Recife, Rio de Janeiro e Cuba. Uma de suas filhas suicidou-se, na ocasião de sua prisão, outros dois filhos foram assassinados. Na cena final do filme sobre a vida de João Pedro, “Cabra marcado para morrer”, de Eduardo Coutinho, Elizabeth dizia: "(...) a luta não para. Enquanto houver a fome e a miséria atingindo a classe trabalhadora, tem que haver luta dos camponeses, dos operários, das mulheres, dos estudantes e de todos aqueles que são oprimidos e explorados."

Em Sapé, cidade natal de Elizabeth, o povo do campo costuma dizer que ela é a Mulher marcada pra viver. Em novembro de 2011, quando conversou com a CPT, Elizabeth declarou: “Tanto sofrimento, tantas desgraças na minha família... e o sonho de João Pedro? A Reforma Agrária ainda não implantada em nosso País? Eu prometi para João Pedro: marcharei em tua luta. Em 02 de abril serão os 50 anos do assassinato de João Pedro. Tem vezes que fico meditando: meu Deus, o que fiz de errado? Cadê a Reforma Agrária? Não vou ver o sonho da terra partilhada? A luta não pode parar enquanto a Reforma Agrária não for implantada. Esta missão fica para os jovens, outras gerações que terão de lutar pela Reforma Agrária”.

 

 

Setor de comunicação da CPT NE II

 

Foto: Carmelo Fioraso/CPT NE II

 

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