Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Preocupação é com fuga de animais do habitat natural, desertificação da caatinga e precarização nos contratos com agricultores. Estudiosos querem mais normas e acompanhamento do poder público.

Matéria por Laerte Cerqueira e Angélica Nunes - Jornal da Paraíba

No Litoral Norte e no Sertão paraibano, ventos fortes e constantes. Também no oeste do estado, uma ilha sertaneja de calor, com irradiação em potência máxima. As condições são favoráveis para transformar a Paraíba em um polo brasileiro de geração dessas energias renováveis: mais baratas e menos poluentes.

São cerca de 699 MW de potência instalada nos parques eólicos e nas usinas e miniusinas solares que estão em operação no estado. Em resumo, de acordo com números atualizados até dia 01 de dezembro, são 434 MW gerados em 25 parques eólicos; 138 MW, em 8 usinas solares; e 127 MW de 9.717 miniusinas. Os dados são da Aneel.

Isso é o suficiente para fornecer eletricidade para mais de 390 mil domicílios do estado, mais de 30%. Na Paraíba, de acordo com o IBGE, são 1,3 milhão de residências. No ranking da geração solar centralizada,  estado ocupa a 6º colocação. Veja abaixo:

Já no ranking da geração distribuída, com as miniusinas, a Paraíba fica em 17º lugar (veja abaixo). Posições ainda tímidas, mas com potencial de crescimento sem precedentes porque aqui no estado estão as maiores irradiações solares do país. Na região de Coremas, por exemplo, de acordo com Atlas Solar Brasileiro, a taxa de irradiação de setembro a março é insuperável (veja gráficos na galeria de imagens).

Projeções 

Em 2023, quando todos os projetos que estão sendo executados e que tiveram a construção autorizada, estiverem prontos, serão mais 2.600 MW de potência instalada. Estima-se que cada ‘mega’ seja suficiente para abastecer até 500 casas. Numa conta rápida, 1,3 milhão de residências. Ou seja, a energia produzida aqui pelos ventos e pelo sol será suficiente para o consumo de mais de 5,2 milhões de pessoas. Muito mais que toda a população paraibana atual: 4,05 milhões de pessoas.

 

Preocupações 

De um lado, otimismo no setor, do outro, preocupações. É que apesar de serem consideradas limpas, em relação aos combustíveis fósseis, as energias eólica e solar geram impactos sociais e ambientais que, recentemente, entraram no radar de pesquisadores do Nordeste: região que lidera os projetos.

“Começa-se a observar afugentamento dos pássaros. As árvores de rapina, como s urubus,  que são os nossos coletores, que fazem a limpeza da natureza, começam a mudar a rota, as arribaçãs, que também são polinizadoras do meio ambiente, que ajudam na agricultura familiar”, destaca Vanúbia Martins, da Comissão Pastoral da Terra.

A pesquisadora da UFCG e membra do Comitê de Energias Renováveis do Semiárido, Ricélia Marinho,  aponta para os problemas trazidos pela barulho dos aerogeradores. Segundo ela, não há uma regra clara sendo respeitada na Paraíba, com distanciamento de pelo menos 500 metros de um aerogerador e uma casa. “O barulho, com o tempo, ele vai ficando mais intenso. Então, a poluição sonora também é um elemento que devemos considerar”, afirmou ao Conversa Política.

Como Vanúbia, ela também demonstra preocupação com a modificação severa no ecossistema de pássaros e abelhas, que estão migrando e diminuindo, consideravelmente, as possibilidades de reprodução das plantas na área da caatinga. E é, justamente, a caatinga o motivo de maior preocupação de Vanúbia. Para quem conhece as comunidades que estão recebendo os cataventos gigantes e as fazendas de placas solares, uma preocupação urgente: é mais uma intervenção humana que acelera a desertificação.

“Eu tenho para cada torre, no mínimo, 300 metros desmatado. Entre uma torre e outra, eu tenho uma estrada de 6 metros. E todas as nossas serras, e aí ou vou falar da Paraíba, porque é lugar que nós estamos, as serras estão virando grandes labirintos, de estradas abertas de 6 metros. Se nós estamos em uma estado com 77,4% do território em processo de desertificação, se a gente tinha nas serras, a nossa reserva ainda, vários espaços de reserva de caatinga,  nós estamos perdendo ela com a instalação do parque”, explica Vanúbia.

Como consequência, segundo Ricélia, o estado vai perder aí espécies que inclusive a gente nem conhece muito. “Nós temos os anfíbios, eles têm um potencial medicinal, que, inclusive, a área da biologia estuda. E estão sendo descobertas ainda, muitas espécies”, lamenta.

Relação com os agricultores e trabalhadores

No campo, as pesquisadoras relatam ainda outros problemas. Um deles, com relação aos contratos de trabalho que são feitos entre empresas e agricultores, nos arrendamentos. Segundo elas, são regras impostas pelas empresas, sem o auxílio dos governos estadual e municipais. Em alguns casos, a desinformação e a necessidade de uma renda fixa, direcionam a decisão do homem do campo.

Por causa dos contratos longos, por exemplo, registra Ricélia, os filhos de agricultores são impedidos de ter a posse plena da terra quando os país falecem. “Eles não têm escolha. Não podem fazer nada”, afirma. E continua: “Não é a produção de energia, é o modo que está sendo feito. Nós podemos sim gerar energia, mas nós precisamos, sim, pensar que as pessoas têm que ser incluídas. Elas precisam ser escutadas“, desabafa Ricélia.

Para Vanúbia, o agricultor, que está no caminho dos ventos poderia ter acesso tanto ao miniaerogerador, com às placas solares. “Essa energia combinada,  poderia gerar renda para o próprio agricultor, a própria energia dele. Ele não precisaria pagar mais. E todo o excedente poderia entregue em contrato, como queiram, distribuição”, aponta.

Os pesquisadores cobram dos governos mais planejamento e, se necessário, uma adaptação do modelo focado na geração de energia centralizada. O Comitê de Energias Renováveis do Semirárido, que incentiva e auxilia comunidades urbanas e rurais a usar o sol como fonte de transformação, também é crítico ao modelo centralizado. Mas entende que o modelo das miniusinas é sustentável, gera inclusão social, combate as desigualdades e à pobreza.

“Eu vou só citar um exemplo. Em 2014, Sousa não tinha nenhum placa solar em nenhuma residência. Hoje tem mais de 10 empresas gerando empregos. Veja a quantidade de empregos que é gerada e empregos permanentes.  A centralizada, você instala lá a grande usina, gera emprego inicialmente, temporário e depois são poucas pessoas que administram aquela usina ali. E fica o reflexo social e ambiental enorme”, explica.

 

César Nóbrega, do Comitê de Energias Renováveis do Semiárido, que defende o modelo distribuído de geração de energia solar.

 Parque eólico na Serra de Santa Luzia, Paraíba. Região tem o chamado "corredor de vento", registrado no Atlas Eólico.  

De acordo com Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica, as empresas têm trazido mais contrapartida do que estabelece a obrigação. “A comunidade que aponta quais são as suas necessidades, os benefícios que poderiam  implantados naquela região”, afirma.

Nesta área sertaneja, em Coremas, onde 3 usinas de energia solar estão em operação e outras 6 estão sendo implantadas, a empresa investe no reflorestamento, na revitalização de nascentes de rios e na proteção dos animais da caatinga.

“Nós temos uma equipe de biólogos e engenheiros florestais que são treinados para ajudar a gente nos resgate de fauna, de flora. Nós temos uma área de reserva legal apropriada, estabelecida, predestinada para remoção e realocação, com habitat natural igual aos que eles tinham antes da retirada da vegetação.  São compensações fundamentais para ter uma mitigação, justamente, desses impactos, que ocorrem. A gente tem que usar, mas também preservando, para que outras gerações tenham acesso a toda essa natureza que a gente já tem“, afirma Maria do Carmo, bióloga da empresa Rio Alto, responsável pela instalação de nove usinas na região de Coremas, Alto Sertão.

Maria do Carmo, bióloga da empresa de energia solar Rio Alto, responsável pelas usinas de Coremas. Foto: Beto Silva.

Em Mataraca, litoral norte, onde estão os projetos de energias renováveis mais antigos da Paraíba, moradores cobram mais compromisso social com as comunidades. “Nós estamos entre duas reservas ecológicas bem importantes. Nós estamos próximo da reserva indígena dos índios Potiguaras, nós temos o parque ecológico do caranguejo-uçá, dentro da comunidade, eu acho que os investimentos ambientais poderiam ser bem maiores”, cobra Romero Filho, líder comunitário, responsável pelo projeto/ONG SOS Caranguejo-uçá.

Com editais anuais para financiar projetos, a empresa, dona de dois parques no local, diz que tem ações consolidadas nas áreas de educação e geração de renda. Segundo Lendro Alves, diretor de Operações da Spic Brasil, já foram desenvolvidos mais de 50 projetos na região de Mataraca. “A gente implementa um fundo comunitário, onde as pessoas da comunidade aplicam projetos ao nosso edital, e esses  projetos são selecionados.”, garantiu.

Um dos projetos apostou no protagonismo das mulheres artesãs da praia de Barra de Camaratuba. Maria de Fátima, uma das beneficiadas, lembra que  talento estava guardado, as mulheres sabiam fazer o artesanato com coco, madeira, crochê e outros materiais, mas faltava incentivo financeiro. “A gente encontrou neles e estamos aí”, afirmou. Tudo que é feito é vendido numa espécie de centros de informações turísticas da praia.

A iniciativa da professora Maria de Jesus, conhecida como “Ia”, crianças com déficit no aprendizado recebem conhecimento e atenção extras. “A criança que estuda de manhã, ela faz parte à tarde, no meu projeto e  que estuda à tarde faz parte de manhã […] E aí é o prazer de ajudar uma pessoa, porque que não tive esse prazer quando eu era criança, de ser ajudada.  Tive que sair daqui para poder ser ajuda, aprender, voltar e ajudar a comunidade”, afirmou.

A tecnologia das energias renováveis revelou que nosso vento, no litoral ou no sertão, traz mais do que alívio nos dias de calor. Fez o sertanejo ver o sol como parceiro na geração de uma vida com projetos e perspectivas. Não mais como inimigo. Explorar esse potencial de maneira sustentável e planejada fará da Paraíba um estado com muito mais energia.

 

Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Rua Esperanto, 490, Ilha do Leite, CEP: 50070-390 – RECIFE – PE

Fone: (81) 3231-4445 E-mail: cpt@cptne2.org.br