Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

A mineradora Belo Sun planeja a extração de ouro na Volta Grande do Xingu, com a previsão de produção de 600 toneladas de ouro nos próximos 12 anos. Só de impostos arrecadados está prevista a soma de R$ 235 milhões, destinados ao município de Senador José Porfírio. O estudo de viabilidade ambiental é assinado pelo mesmo engenheiro indiciado no caso do rompimento da barragem de rejeitos em Mariana, com as conhecidas repercussões socioambientais conhecidas. Lembrando o famoso livro de Gabriel García Márquez, a crônica de uma tragédia anunciada, dessa vez não por uma empresa brasileira, mas canadense.    

Canadá e Brasil tem mais em comum do que pensa a vã filosofia, aquela que vê o primeiro país como o espelho invertido do segundo: o que poderíamos ter sido se tivéssemos uma “melhor colonização” (seja lá o que isso signifique) ou uma elite política capaz de antever a interessante combinação entre estado de bem-estar social e liberalismo econômico que caracteriza o Canadá. Somos grandes, somos multiculturais, temos muitos recursos naturais. Ótimo. No entanto, somos também países que tratam mal seus povos indígenas, sobretudo quando estes se encontram em terras com alto valor de exploração mineral. Aliás, diga-se de passagem, essa é uma realidade mundial: povos indígenas “no meio do caminho do progresso” que se cuidem: as companhias de exploração de recursos minerais, usualmente com amplo respaldo dos governos nacionais, entram com um rolo compressor sobre qualquer tipo de regulação ambiental e direitos humanos dos povos originários. A “grana” é alta e o jogo é jogado em altos escalões governamentais. 

Se engana quem pensa que nos “países do Norte” essa não seja a realidade: as recentes controvérsias sobre dutos de transporte mineral que levaram a protestos como o de Standing Rock, nos Estados Unidos, e a exploração das chamadas “tar sands” (areia betuminosa) no Canadá são apenas dois exemplos recentes de violações dos direitos territoriais indígenas nestes dois países “de primeiro mundo”. Em que pesem as diferenças de investimento e de políticas públicas entre os países do continente, costumo dizer que não há lugar seguro para os povos indígenas americanos. Estão todos submetidos a algum grau de vulnerabilidade socioambiental, o que coloca sua capacidade de sobrevivência em risco. 

Será interessante acompanhar a mobilização dos povos indígenas da região. Os Kayapó, o grupo provavelmente a ser mais atingido pelos danos causados, contam dentre os povos indígenas brasileiros com maior capacidade de articulação, mobilização doméstica e projeção internacional há muitas décadas. No entanto, nem todo o esforço mobilizado por ele nos últimos anos foi capaz de barrar a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, senão retardá-la. Considerando os enormes interesses por trás deste novo projeto, isto já seria, sem sombra de dúvida, uma grande conquista política.   

As projeções, infelizmente, não são boas. Não é um exagero denominar a atual legislatura do Congresso Nacional como a mais anti-indígena em décadas. No Executivo Federal o quadro não é melhor, como atestam as recentes proposições de alterações no processo de demarcação territorial indígena, o enfraquecimento e aparelhamento da FUNAI e o esvaziamento do Conselho Nacional de Política Indigenista. O Supremo Tribunal Federal parece cada vez mais inclinado a adotar a tese do marco temporal com relação às demarcações territoriais indígenas. Em resumo: está armado um grande cerco contra os direitos dos povos originários brasileiros.

A situação é desesperadora, é verdade. Igualmente é verdade que a vida dos povos indígenas nunca foi fácil, nem nas úmidas florestas nem no gelo do norte canadense. Aliás, essa é outra característica que temos em comum: nossos povos indígenas são sobreviventes e lutam incansavelmente, ao longo dos séculos, para se manterem vivos com dignidade. Portanto, se há uma palavra para definir a vida desses povos nos últimos quinhentos anos, certamente é essa: resistência.

E eles certamente irão resistir a mais essa ameaça, podemos apostar nisso.

*Leonardo Barros Soares é mestre e doutorando em ciência política na UFMG, realizando pesquisa comparativa sobre a política indigenista do Brasil e Canadá. Membro do Projeto Democracia Participativa ( Prodep) da UFMG.

 

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