Como podes nos dar água
se destróis nossas cisternas?
Como trazes benefícios
se nos apartas dos baixios?
Rasgar a terra só se for pra juntar água!
Rasgar a terra só se for para o plantio!
A gente não queria ter saído
dos nossos pedacinhos de terra!
A gente não queria ter deixado
nossas águas e os baixios!
Essa tal transposição foi quem fez isso com a gente!
Como ficam as famílias, as plantações e os bichinhos? *
Em abril, as equipes de CPT de Pernambuco realizaram um encontro sobre os impactos dos “grandes projetos” nas comunidades camponesas. Na ocasião foi visitado o lote 12 da Transposição das águas do Rio São Francisco, em Sertânia – Sertão de PE. Nesta visita conhecemos seu Chico, 65 anos, que teve sua casa destruída, a cisterna inutilizada e estava colhendo água de um lamaçal ao lado do canal da transposição (Foto).
Quase todos os dias, Seu Francisco, conhecido como Chico, trabalhador rural de 65 anos, faz o mesmo percurso com uma carroça puxada por um jegue, levando tambores que ele enche de água barrenta recolhida de um lamaçal e leva para a sua família e animais. Bem próximo do lamaçal, seu Chico avista a Cisterna onde retirava água potável para o consumo de sua família. A cisterna foi abandonada e sua casa destruída. Entre a antiga cisterna e o lamaçal, o que se vê é o chão rasgado pelas obras da transposição do Rio São Francisco.
Imagem: Seu Chico, trabalhador rural, 65 anos. Atrás dele, o lamaçal de onde ele retira água para o sustento de sua família.
Para sair do local onde viveu desde menino, Seu Chico recebeu uma indenização do Governo Federal no valor de cinco mil reais. “Foi um hectare de terra, uma casa e uma cisterna”, comenta o trabalhador sobre o que foi obrigado a trocar pela indenização. Com o dinheiro, mal deu pra construir a sua atual casa.
Ali, as obras da transposição encontram-se totalmente abandonadas há mais de quatro meses. O trecho é o lote 12, que vai do município de Sertânia/PE, a Monteiro/ PB, totalizando 25km. Seu Chico não têm informações sobre o futuro da transposição, mas tem certeza de que a água, se um dia passar por ali, não será destinada para o consumo de sua família. “Eles prometeram que ia ter água aqui. Ave Maria, a conversa é bonita, mas eu sei que o negócio deles é tirar o cabra daqui, como me tiraram. E eu sei que vão fechar o canal e vão botar uma cerca”.
O pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco e Engenheiro Agrônomo, João Suassuna, também tem as mesmas certezas de Seu Chico. A obra que, segundo estatísticas, está orçada em mais de 20 bilhões, a médio e longo prazo, não servirá para atender as demandas de água da população. “Da forma como o canal está estruturado percebe-se claramente que a água não vai pro povo, vai pro agronegócio”, afirma o pesquisador.
De acordo com João Suassuna, a distribuição das águas pelo Projeto da Transposição do Rio São Francisco seguirá o padrão e a estatística que é tendência mundial: 70% para a irrigação em benefício do agronegócio, 26% destinados para o setor industrial e urbano e apenas 4% para abastecimento humano. Além disso, ressalta Suassuna, a água vinda da Transposição do Rio São Francisco será a mais cara do país: Mil litros da água da transposição custará R$ 0,13, enquanto que o preço médio cobrado pelo uso da água em outras bacias hidrográficas é de R$ 0,01 a R$ 0,02 por mil litros.
Para Roberto Malvezzi (Gogó), agente da Comissão Pastoral da Terra, o que se vê hoje ao longo da Transposição do Velho Chico materializa a contradição do Projeto. Com uma intensa propaganda “Água para quem tem sede”, a obra destruiu a cisterna, que era o que matava a sede do povo no sertão, além de outras infra-estruturas e experiências populares de convivência com o semi-árido. “Vimos Seu Chico recolhendo lama do chão, ao lado dos canais, ao lado do que foi sua casa e do que foi sua cisterna. Que ironia! Lhe tiraram a água potável para forçá-lo a usar lama, tudo em nome da sede humana. Não sei para onde vai essa obra. Mas ela passa uma impressão sombria, de algo que nasceu errado, prossegue errado e não pode acabar bem”.
Imagem da Cisterna desativada Seu Francisco (Chico), em Sertânia/ PE. Com o Projeto da Transposição do Rio São Francisco, Seu Chico teve a sua Cisterna desativada e a casa destruída. Hoje ele sobrevive recolhendo água de um lamaçal ao lado do canal da transposição. Foto Abaixo: Canal da transposição, lote 12, com as obras paralisadas.
Obras paralisadas - Ao longo do lote 12, encontram-se apenas 11 trabalhadores: os vigias da obra. Todos os outros, ao todo 350, foram demitidos pelas empresas do consórcio responsável pelo lote: a Queiroz Galvão, OAS, Barbosa e Melo e Coesa. De acordo com um ex funcionário da obra, que preferiu não ser identificado, os trabalhadores foram demitidos e as obras estão paralisadas desde o dia 21 de dezembro de 2010. Este dia foi marcado pelo acidente com a explosão de dinamites no lote, que tirou a vida de três trabalhadores e deixou vários feridos. O trabalhador comenta ainda que não há previsão de quando as obras serão retomadas. “Todo mês eles dizem que vai voltar no dia 1., só que todo mês tem dia 1., e essa conversa é desde janeiro. Eles não passam nenhuma informação”. Os recursos destinados para a construção do lote 12 somam mais de 270 milhões de reais, mas para dar continuidade à obra será preciso um investimento muito maior. “Vários trechos da obra que ainda nem foram concluídos já precisam de reparo”, comenta o ex funcionário, indignado com a situação de desperdício de dinheiro público para uma obra que, ele sabe, não levará água para o povo do Nordeste.
*Poema de Plácido Júnior, da Comissão Pastoral da Terra Nordeste II
Fotos: Setor de comunicação da CPT NE II e de Renata Érika (Estudante de Geografia - UFPE)
Setor de comunicação da CPT NE II
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