Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Para presidente, greve de fome é absurda diante dos benefícios da transposição do Rio São Francisco. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou claro. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou claro, numa conversa na manhã de ontem com assessores, que "não vai ter negociação" com o bispo de Barra, dom Luiz Flávio Cappio, que começou na terça-feira uma nova greve de fome contra a transposição das águas do Rio São Francisco. A assessores, Lula disse avaliar que é um "absurdo" alguém fazer esse tipo de protesto diante de uma questão "técnica".

Na conversa pela manhã, Lula foi informado por assessores que a carta em que Cappio fala das razões do protesto e critica o governo, um documento que teria sido escrito no dia 4 de outubro, só chegou anteontem ao gabinete do presidente, primeiro dia da segunda greve de fome do religioso. "Desta vez, não tem negociação", disse o presidente.

Embora a orientação de Lula tenha sido clara, os "igrejeiros" do governo começaram a se mobilizar para que Luiz Flávio Cappio desista do protesto. Ministros com ligação com a Igreja como Patrus Ananias (Desenvolvimento Social) e Luiz Dulci (Secretária Geral) e o chefe de Gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho, estão empenhados em buscar uma solução para o caso, sem desrespeitar a posição do bispo. Os "igrejeiros" conversam especialmente com o presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Geraldo Lyrio Rocha.

A postura "forte" de Lula sobre o caso, segundo assessores, se deve à situação do próprio bispo de Barra dentro da Igreja. O Planalto observa que a Igreja está dividida. Assessores da Presidência dizem que na primeira greve, em outubro de 2005, o religioso foi criticado por colegas de batina. Lula, aliás, reclamou em diversos encontros com assessores e representantes de movimentos sociais, do "personalismo" e do "radicalismo" de Cappio, que não estaria aberto à negociação. O presidente chegou a lembrar que esteve na região de Barra, na Bahia, mas Cappio não o procurou para conversar.

A Santa Sé, inclusive, deu ordens para o bispo encerrar o movimento e voltar para o posto na diocese de Barra. A CNBB também se manifestou contra o protesto, que durou 11 dias. Luiz Flávio Cappio deixou a greve, em 2005, afirmando que o governo se comprometeu a abandonar o projeto de transposição do São Francisco. O religioso prometeu retomar o protesto caso as obras fossem adiante. O Planalto, no entanto, nunca confirmou acordo divulgado por ele.

Deputados buscam mediação

A comissão do Rio São Francisco da Assembléia Legislativa vai contatar o bispo dom Luiz Cappio, que entra hoje no terceiro dia de greve de fome contra a transposição do Velho Chico, além do governador Jaques Wagner e do ministério da Integração Nacional, órgão do governo federal responsável por tocar a obra. A decisão foi tomada ontem, em reunião que contou com as presenças dos deputados Misael Neto (DEM), Luiz de Deus (DEM), Luís Augusto (PP), Zé das Virgens (PT), Paulo Rangel (PT), Roberto Carlos (PDT), João Bonfim (DEM) e Elmar Nascimento (PR).

Ofício solicitando audiência com Jaques Wagner, "em caráter de urgência", foi enviado ao governador e ao secretário de Relações Institucionais, Rui Costa. Amanhã, membros do colegiado vão a Sobradinho, onde dom Cappio se concentra durante o período de jejum. A transposição não tem vinculação com o governo estadual, mas o governador vai ser procurado porque em 2005, quando o religioso fez uma primeira greve de fome, o fim do protesto foi intermediado pelo então ministro de Relações Institucionais, Jaques Wagner.

"Vamos fazer um trabalho de mediação. Não estamos indo para Sobradinho para apoiar ou crucificar o bispo, nem queremos marcar uma audiência com o governador para constrangê-lo. Estamos buscando, através do diálogo, uma solução para a situação, que coloca em risco a integridade física do bispo, o que não interessa à Bahia", explicou Misael Neto.

A assessoria do governador anunciou que Jaques Wagner não pretende fazer um comunicado oficial sobre a greve de fome por se tratar de um projeto da alçada do governo federal. Quanto ao acordo feito por Wagner na sua passagem pelo governo Lula, assessores argumentaram que o momento é outro. Sobre o ofício da comissão do Legislativo, o secretário Rui Costa relatou, via assessoria, que não poderia se pronunciar por não ter recebido o documento.

Igreja - A comissão da Assembléia pretende falar com o arcebispo primaz do Brasil, dom Geraldo Magella Agnelo. Em agosto, dom Geraldo recepcionou uma comitiva de estudiosos, procuradores e representantes das populações tradicionais que percorreram nove estados - incluindo a Bahia - e o Distrito Federal para defender as bandeiras da revitalização do São Francisco e condenar a transposição. Tanto a revitalização quanto o debate social acerca da transposição foram defendidos pelo arcebispo. "Nós gostaríamos que nosso povo participasse, não só desse projeto como de outros projetos. Tem tanta coisa que acontece e o povo não tem oportunidade de dizer o que pensa", complementou.

Anteontem, à noite, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) emitiu nota a respeito do "jejum e a oração". A instituição pronunciou apenas que "reafirma o que já teve ocasião de expressar". "Temos clareza que o tema da transposição do Rio São Francisco traz consigo muitas implicações, não havendo unanimidade nem mesmo na Igreja, o que julgamos perfeitamente compreensível", acrescenta a nota.

A respeito da transposição, a conferência destacou a responsbilidade de garantir à população acesso à água e à necessidade da revitalização e do direito à terra dos povos da região, especialmente os tradicionais. "É necessário dar continuidade a um amplo diálogo visando soluções adequadas e considerando as alternativas apresentadas pelas forças sociais populares envolvidas no processo, para promover o desenvolvimento sustentável, a preservação do meio ambiente, a agricultura familiar e a convivência com o semi-árido", pregou a CNBB.

Religiosas fazem jejum solidário

Religiosas do povoado de Santana do Sobrado, em Casa Nova, decidiram aderir à greve de fome iniciada anteontem por dom Luiz Flávio Cappio. As irmãs Helena Margarida Freitas e Ermelita Ejojjnck iniciaram ontem um jejum de dois dias e devem ser substituídas por outras duas freiras hoje. Segundo irmã Helena, "esse é um gesto de apoio e solidariedade a dom Cappio. A gente sabe que a população ribeirinha merece mais do que está recebendo".

A religiosa acompanhou a greve de fome de dom Cappio em 2005. O bispo assegura que vai até as últimas conseqüências no jejum, até o governo federal suspender o projeto e retirar os batalhões de engenharia do Exército nos eixos norte e leste. Ao celebrar uma missa na Capela de São Francisco, em Sobradinho, dom Cappio afirmou que o gesto reiniciado é por amor ao rio, ao povo do São Francisco e aos nordestinos. "Não quero morrrer", afirmou.

Reiniciada desde janeiro deste ano, a transposição provocou uma série de manifestações contrárias, a exemplo de um acampamento em Brasília, a ocupação do canteiro da obra no eixo leste e uma caravana por dez estados brasileiros. Mesmo assim, a obra começou em junho, em ritmo lento.

CORREIO DA BAHIA - BA, 29/11/2007

 

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