Promovido por três jornais do Grupo Associados, seminário discute a viabilidade e o impacto das obras de transposição das águas do Rio São Francisco. Projeto vai custar R$ 3,4 bilhões aos cofres públicos.
O diretor-presidente do Correio, Álvaro Teixeira da Costa (e), abriu o seminário, que contou com a participação do secretário João Santana (c) e do ministro Geddel Vieira Lima
Apontada como a mais polêmica e cara obra do governo Luiz Inácio Lula da Silva, a transposição do Rio São Francisco foi debatida ontem por ambientalistas, representantes da sociedade civil e técnicos do Ministério da Integração Nacional, durante o seminário São Francisco: a realidade de um rio, organizado pelos jornais Correio Braziliense, Estado de Minas e Diario de Pernambuco, do Grupo Associados. O ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, esteve presente à abertura do evento, realizado no Hotel Blue Tree.
Durante o seminário foram discutidas as mais diversas formas de conciliar o interesse da população que sofre os efeitos da seca com a necessidade de preservação do rio que, segundo especialistas, tem sofrido um processo intenso de desgaste e assoreamento. O projeto atinge uma das bacias hidrográficas mais importantes do país. Em suas proximidades habitam 15,5 milhões de pessoas, distribuídas em 503 municípios, sendo 49 em Alagoas, 115 na Bahia, um do Distrito Federal, três em Goiás, 239 em Minas Gerais, 69 em Pernambuco e 27 em Sergipe.
A obra de transposição está orçada em R$ 3,4 bilhões. Segundo o Ministério da Integração Nacional, depois de concluído, o projeto deve beneficiar 15 milhões de pessoas dos estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. O projeto de transposição, iniciado em agosto pelo governo federal, pretende construir barragens para desviar cerca de 1,4% da vazão do rio.
Com a riqueza dos argumentos, ficou comprovado que a proposta de transposição está longe de ser unanimidade. De um lado, integrantes do Ministério da Integração Nacional listaram os benefícios da obra, citando, por exemplo, a chegada das águas do rio em regiões castigadas pela seca. Por outro, ambientalistas destacaram o desgaste natural sofrido pelo rio e foram radicais ao afirmar que o Velho Chico não sobreviverá ao desvio de água previsto no projeto.
Argumentos
Essas divergências foram destacadas pelo diretor-presidente do Correio Braziliense, Álvaro Teixeira da Costa. Ao abrir o seminário, ele citou argumentos de defensores e críticos do projeto. Teixeira da Costa disse que o assunto não pode ser tratado sem levar em conta o interesse da população que vive às margens do rio e que depende de suas águas.
Ao citar um dos principais argumentos de divergências, ele falou do temor de estudiosos de que a integração sobrecarregue a bacia do rio, abordando também a afirmação do governo de que o volume de água transposto corresponderá a apenas 1,4% da vazão do rio, o que não representaria percentual significativo. Em seu discurso, Teixeira da Costa analisou projetos de transposição realizados em países como Estados Unidos, Peru e Espanha, lembrando que a mídia tem papel determinante na divulgação das posições de quem se manifesta de maneira contrária ou favorável ao projeto. “A bandeira de quem depende de suas águas não tem cor. O Rio São Francisco é de todos nós. Por isso temos que ter muita responsabilidade com ele”, ressaltou.
O ministro Geddel Vieira Lima anunciou que, em 15 dias, o governo deve assinar o primeiro contrato com a empresa responsável pelo primeiro lote do eixo norte das obras da transposição. “Com a chegada da iniciativa privada, tenho a esperança de inaugurar ao menos o eixo leste da obra ainda no governo Lula”, afirmou.
A realização do seminário foi saudada pelo ex-ministro Jarbas Passarinho, que considera a discussão oportuna, lembrando que, em 2000, mediou debates semelhantes. Durante o governo Fernando Henrique Cardoso, Passarinho organizou um simpósio para discutir a transposição. “Dei palavra aos que eram a favor e aos que eram contra”, lembra. Segundo o ex-ministro, o senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) liderava o grupo contra a transposição e pela revitalização do rio. “ACM argumentava que a obra de R$ 3 bilhões era muito cara e não tinha cabimento”, comentou. À época, o deputado Marcondes Gadelha (PSB-PB) propunha retirar 70 metros cúbicos de água por segundo do São Francisco. “Gadelha contra-argumentou, afirmando que as águas seriam tomadas depois da Bahia, em Cabrobó (PE)”, explica.
A bandeira de quem depende de suas águas não tem cor. O Rio São Francisco é de todos nós. Por isso temos que ter muita responsabilidade com ele
Álvaro Teixeira da Costa, diretor-presidente do Correio Braziliense
Visões antagônicas da questão
Renata Mariz,Da equipe do Correio
Duas visões antagônicas sobre o mais polêmico projeto do governo federal foram apresentadas pela manhã, na abertura do seminário São Francisco, a realidade de um rio, promovido pelos jornais Correio Braziliense, Estado de Minas e Diario de Pernambuco. Primeiro palestrante, o secretário de Infra-Estrutura Hídrica do Ministério da Integração Nacional, João Santana, defendeu a transposição como uma forma de levar água aos nordestinos que passam sede e citou exemplos de dois projetos bem-sucedidos de integração de bacias em funcionamento no país. “Já temos isso aqui, nos rios Paraíba do Sul e Piracicaba. Não sei porque essa celeuma em torno do São Francisco?”, questionou.
Do outro lado, o presidente do Comitê de Bacia do Rio das Velhas, Apolo Lisboa, contrário ao projeto, sustentou que a transposição não amenizará os efeitos da seca no semi-árido para as populações isoladas. Ele sugeriu alternativas mais simples e baratas para solucionar o problema, tais como os reservatórios de águas da chuva e a instalação de poços artesianos. Lisboa criticou ainda os projetos de revitalização em curso, feitos pelo governo federal como parte da transposição. “São uma verdadeira colcha de retalhos, uma forma de repassar dinheiro a prefeituras sem o menor critério”, criticou.
Para Santana, as críticas em relação à transposição têm mais a ver com um desconhecimento em relação ao projeto. “São 37 programas de revitalização previstos. Já iniciamos 330 intervenções, entre trabalhos de esgotamento sanitário de resíduos sólidos”, explicou. “A verdade é que nunca foi feito nada em termos de preservação e conservação do rio. Nenhuma bananeira foi plantada. O que existe são iniciativas de ONGs (organizações não-governamentais) e ambientalistas, que tentam fazer um trabalho de conscientização.”
Quilombos e índios
Santana destacou que, a despeito das críticas, as populações mais isoladas serão contempladas com um programa de cisternas, cujo orçamento é de R$ 1,2 bilhão em 2007. “Nossa estimativa é atingir 1.143 povoados não incluídos na transposição inicialmente. A previsão inicial é de 800 mil cisternas por ano”, destacou. Ele disse ainda que as comunidades tradicionais localizadas na beira do rio receberão atenção especial. “Estamos iniciando a construção de 642 casas para indígenas e quilombolas. Além disso, repassamos R$ 900 mil para a Funai (Fundação Nacional do Índio) fazer um centro comunitário em cada aldeia e um posto de saúde.”
Dois projetos semelhantes ao do São Francisco foram mencionados por Santana. “Hoje, no Brasil, se transpõem 63% (da vazão) do Rio Paraíba do Sul e 78% do Piracicaba. Mas tirar 1,4% do São Francisco para o nordeste setentrional parece um crime”, reclamou o secretário. Ele rechaçou as críticas sobre um possível favorecimento do agronegócio, na distribuição de água, em detrimento da população mais pobre. “O índice de 26 metros cúbicos por segundo é o determinado para uso humano e animal. Apenas quando o Sobradinho verter (encher), com 117 metros cúbicos, é que fica permitido o uso múltiplo, cabendo ainda ao comitê de bacia decidir para quem vai essa água”, ressaltou.
Apolo Lisboa disse temer que um projeto da grandiosidade da transposição demore muito a ser concluído, com gastos expressivos de dinheiro público. “Vocês sabem quantas obras inacabadas temos no país, não sabem?”, indagou o presidente do Comitê de Bacia do Rio das Velhas. Santana, entretanto, questionou as informações. “Ele só pode estar desinformado. Muitas das obras citadas terminaram ou estão em andamento”, reagiu o secretário de Infra-Estrutura do Ministério da Integração.
“Obra não será elefante branco”
Ao abrir as mesas-redondas realizadas à tarde, o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, sustentou que transposição irá até o fim. No debate, polêmica entre favoráveis e contrários foi acirrada
Ana Clara Brant - Da Equipe do Correio Humberto Rezende - Especial para o Correio
Joedson Alves/Especial para o CB
A polêmica marcou a segunda parte do seminário São Francisco: a realidade de um rio, na tarde de ontem, no Centro de Convenções do Blue Tree Park, com transmissão ao vivo para Belo Horizonte e Recife. Ao reabrir o encontro, o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, afirmou que o projeto de transposição das águas do rio é uma decisão política “irreversível” do governo federal e refutou qualquer possibilidade de a obra não ser concluída. “Essa não é uma obra que vai parar e se tornar um elefante branco. Vamos remover os obstáculos e concluí-la”, disse. Geddel afirmou ainda que, ao abrir espaço para o debate livre, o evento cumpriu bem sua função, ampliando a discussão. “As críticas certamente servirão para aprimorar o projeto”, afirmou.
Várias críticas e questionamentos surgiram nas duas mesas-redondas que se seguiram à fala do ministro, em que especialistas expuseram suas opiniões sobre a transposição. No primeiro debate, cujo mediador foi o editor de Política do Estado de Minas, Baptista Chagas de Almeida, o consultor legislativo da Câmara dos Deputados José de Sena defendeu um maior amadurecimento e melhor divulgação do projeto antes de sua realização, uma vez que, na opinião dele, a sociedade brasileira ainda não teve a chance de compreendê-lo com clareza.
Segundo Sena, alguns pontos ainda estão confusos, a começar pelo nome como o projeto se popularizou. “É preciso deixar claro que não se trata da transposição do rio, mas de uma pequena parcela de suas águas”, frisou. O consultor levantou também detalhes que não foram totalmente esclarecidos para a população, como o custo da água que será transportada. “Essa água terá um custo elevado, que só poderá servir à agricultura de subsistência com subsídios do governo. Devemos nos perguntar se a sociedade está disposta a financiar o subsídio”, questionou.
O presidente do Comitê da Bacia do São Francisco, Thomaz Matta Machado, o outro debatedor da primeira mesa-redonda, argumentou que o sucesso da transposição esbarra no conflito pelo uso da água nos estados. “O projeto pode transformar o São Francisco em um novo Colorado”, disse, referindo-se ao rio norte-americano que terminou degradado por conta de disputas pelos estados sobre a quantidade de água de que cada um disporia. Machado propõe um pacto de gestão das águas do rio feito pelos estados por onde ele passa para garantir o abastecimento de todas as regiões e ao mesmo tempo preservar a bacia do “ Velho Chico”.
Emoção X razão
A segunda e última mesa-redonda do dia, mediada pelo editor de economia do Correio Braziliense, Raul Pilati, foi marcada por um embate entre um expositor técnico e um emotivo. Enquanto o consultor do Projeto de Transposição do Rio São Francisco, Rômulo de Macêdo Vieira, apresentava números e explicações detalhadas do projeto, o professor, ambientalista e presidente da Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB – MG), Mário Werneck, expunha de forma eloqüente toda as suas ressalvas contra a transposição.
Macêdo Vieira aproveitou para alfinetar os opositores do projeto e enfatizou que a melhor e mais eficiente solução para a seca no Nordeste é realmente a polêmica proposta, exemplificando que, no Ceará, a média de água per capita/ano é de 300 metros cúbicos — enquanto a Organização das Nações Unidas (ONU) define que qualquer índice inferior a 500 metros cúbicos per capita/ano ameaça a saúde humana. “Quais seriam as alternativas para mudar isso? Poços, cisternas, chuvas artificiais, açudes? O melhor e mais eficiente sistema para atender às demandas do semi-árido é a transposição, não tenho dúvida”, destacou o engenheiro.
Já Mário Werneck começou sua explanação evocando os ideais de liberdade do povo de Minas Gerais, berço do São Francisco, e disse que os mineiros não estão contra o Nordeste e que defendem outras formas de solucionar o problema da seca.
“Somos contra esse projeto da transposição, que é uma mentira, e vamos lutar até a última gota de sangue. Mas de forma alguma estamos contra a Paraíba, Ceará ou qualquer outro estado nordestino. O povo das Gerais sempre esteve ao lado da liberdade e dos interesses do país”, frisou.
O número: Importância 15,5 milhões de pessoas moram nas proximidades da bacia hidrográfica do São Francisco.
Fonte:CORREIO BRAZILIENSE - 14/11/2007