Fonte: Brasil de Fato
Por: Gisele Barbieri, de Brasília (DF)
O governo federal superou a batalha de gabinete para tirar do papel a transposição do rio São Francisco. No dia 23, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) concedeu ao projeto a licença de instalação - último entrave burocrático que restava. Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, Rômulo de Macedo Vieira, do Ministério da Integração Nacional, disse que homens do Exército se encontram a postos para dar início às obras.
A decisão veio exatamente uma semana depois do término do acampamento “Pela vida do São Francisco e do Nordeste, contra a transposição”, o qual reuniu em Brasília (DF), entre os dias 12 e 16, 600 representantes dos principais movimentos sociais do semi-árido. No documento final, eles deixaram claro que, se o governo venceu essa batalha, a guerra ainda está longe do fim: “Daqui voltamos fortalecidos para a luta cotidiana e para as lutas políticas e ecológicas, definitivamente inseparáveis. Cumprimos aqui nossa penúltima tentativa pelo arquivamento do projeto de transposição, a última será lá na própria Bacia do São Francisco, com os companheiros e companheiras que lá ficaram, para os quais nos faremos multiplicadores da experiência aqui realizada, em vista de outras e mais contundentes ações.” Mobilização Mesmo sem serem recebidos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ou qualquer representante do Palácio do Planalto, os manifestantes consideram positiva a mobilização e as reuniões realizadas com órgãos dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Para eles, o objetivo de sensibilizar as autoridades da República e a opinião pública para as falhas contidas no projeto de transposição foi alcançado. “Claro que estaríamos satisfeitos por completo se tivéssemos sido recebidos pelo presidente porque queremos que o governo suspenda as ações desse projeto e retome as discussoões, assim como foi acordado”, afirma o sociólogo Ruben Siqueira, da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Entretanto, o governo parece irredutível. Geddel Vieira Lima, novo chefe da Integração Nacional, o principal Ministério responsável pela execução da obra, já avisou que “irá realizar o sonho do presidente Lula de levar água ao semi-árido". Porém, o maior desrespeito às comunidades que protestavam em Brasília foi o lançamento, na mesma semana do acampamento, do edital de licitação das obras da primeira etapa da transposição. Mais com menos Ironicamente, ele prevê um investimento de R$ 3,3 bilhões, mesmo valor das 530 obras de pequeno porte propostas pelo Agência Nacional de Águas (ANA) no seu Atlas Nordeste, para resolver o abastecimento humano de 34 milhões de pessoas que habitam os 1356 municípios da região. No Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), está previsto um investimento de outros R$ 3,3 bilhões para concluir a transposição, uma obra que, segundo o governo,beneficiaria 12 milhões de pessoas. “Ou seja, pela proposta da ANA, seria gasta a metade dos recursos orçados para transposição, contemplando o triplo de pessoas”, analisa Luis Mandela, integrante da Cáritas Brasileira. Às propostas da ANA se somariam as mais de 40 iniciativas rurais de convivência com o semi-árido da Articulação do Semi-Árido (ASA), a qual congrega quase mil entidades da sociedade civil da região. Combinadas, as ações são suficientes para atender às necessidades hídricas, tanto da população urbana, quanto da rural. Truculência “Não é possível dialogar sobre o projeto com as tropas do exército já instaladas em Cabrobó [PE] ou com os editais da obra sendo lançados e tramitando aqui em Brasília. Eu estava presente quando o governo fez o acordo com dom Luiz Flávio Cappio [em 2005, ele fez 11 dias de greve de fome, só interrompidos com a promessa do governo de debater o projeto] e chego a conclusão que este só foi feito para que ele terminasse com seu protesto. Nada foi cumprido”, denuncia Luciana Espinheira da Costa Khoury, coordenadora estadual das promotorias da bacia do São Francisco. Ela considera um desrespeito às populações ribeirinhas a forma como a execução da obra está sendo imposta. Para Luciana, muito antes de criticar as falhas do projeto, que ela garante serem inúmeras, as mobilizações contestam a forma autoritária como o governo conduz o debate. No parlamento Em reunião no Congresso Nacional com os manifestantes, os presidentes da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB- AL), reconheceram esta falta de diálogo. “Eles disseram que o governo não poderia estar impondo este projeto da forma como está fazendo”, revela Ruben Siqueira, da CPT. Luciana alerta que esse desrespeito ocorre também para com os parlamentares. Ela cita o artigo 49 da Constituição, que define as ações de competência exclusiva do Congresso Nacional. Uma delas é autorizar a exploração, o aproveitamento de recursos hídricos, a pesquisa e a lavra de riquezas minerais em terras indígenas. Porém, a promotora lembra que o projeto prevê a captação de água à 80 metros da terra dos índios Truká, em Pernambuco. “Os parlamentares discutiram isso? Nem eles e muito menos os índios”, responde.