Mesmo sob a crescente pressão da sociedade civil, quem vive na área rural do Brasil ainda é constantemente impactado por agrotóxicos pulverizados nas lavouras de monocultura do país. Muitas vezes, estes produtos são aplicados a menos de dez metros de escolas e residências. O pior: em casas de pequenos agricultores, que não fazem ideia dos riscos, acabam se tornando embalagem para acondicionar até comida.
A situação é descrita no "Dossiê sobre o impacto dos agrotóxicos na saúde no Brasil" feito pelos principais pesquisadores de saúde do país, ao qual o Razão Social teve acesso, e que será apresentado no Congresso Mundial de Nutrição Rio 2012, na próxima sexta-feira, em Brasília. Segundo um dos coordenadores do dossiê, o médico e pesquisador Fernando Carneiro, a ideia é fazer frente à bancada ruralista no Congresso Nacional, que aumentou o lobby para liberação do uso de novas substâncias - muitas proibidas nos Estados Unidos e na Europa - pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa): "Os ruralistas querem uma agência única para agilizar a aprovação de novos agrotóxicos. Isso pode tirar o poder da Anvisa.
Os mecanismos de controle do país já são falhos". O documento reúne os dados mais recentes sobre o assunto, impulsionado pelo fato de o Brasil ter se tornado, nos últimos três anos, o maior mercado consumidor de agrotóxicos no mundo. O dossiê é encabeçado pela Associação Brasileira de Pós Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), em parceria com a Universidade de Brasília (UNB), a Universidade Federal do Ceará (UFCE) e a Fiocruz do Rio de Janeiro. Um dos estudos que será apresentado é do médico e pesquisador da Universidade Federal do Mato Grosso Vanderlei Pignatti, ainda inédito. Ele analisou o sangue e a urina de professores das áreas urbanas e rurais das cidades de Lucas do Rio Verde e Campo Verde, no Mato Grosso do Sul.
Foram colhidas amostras de 79 professores, 35 em duas escolas da área rural e 39 em duas na área urbana. Havia sinais de agrotóxicos em 70 amostras. Entre os professores da Zona Rural, o nível de resíduos encontrado foi o dobro da zona urbana. Segundo Pignatti, trata-se de um alerta: "Muitos têm intoxicação crônica, que acontece por conta de exposição contínua aos agrotóxicos. Isso pode desencadear várias doenças". Ainda de acordo com Pignatti, muitas escolas nas áreas rurais ficam a menos de dez metros de plantações de soja, milho ou algodão, o que significa um risco grave à saúde de alunos e professores. Há uma lei, de 2008, que obriga uma distância de pelo menos 500 metros para a pulverização de agrotóxicos, mas ela não é cumprida em muitos municípios. De acordo com o professor, há 71 cidades do país nessa situação. Em outra pesquisa, Pignatti detectou agrotóxicos no leite materno. Foram colhidas amostras de 62 mães da área rural de Lucas do Rio Verde e em todas foi encontrado DDT, substância proibida no Brasil desde 1985.
Como todas as mães nasceram antes do período, foram contaminadas e até hoje possuem a substância no corpo. Além disso, em 76% foi encontrado o agrotóxico Endosulfan, proibido em toda a Europa, que só será retirado Brasil em 2013. As instituições responsáveis pelo dossiê fazem parte da Campanha Permanente contra Agrotóxicos e pela Vida, criada há pouco mais de um ano.
O objetivo é mostrar que agrotóxicos são uma escolha não relacionada apenas à economia. Os insumos químicos aumentam a produtividade. Mas, quando se avalia a sustentabilidade, vê se que há desgaste de solos, danos à saúde e dependência econômica dos agricultores. Não faltam histórias como a do agricultor Nilfo Wandstheer. Morador de Lucas do Rio Verde, ele foi diagnosticado com intoxicação crônica, e sua mulher teve um aborto espontâneo. Há seis anos, Nilfo e a esposa estavam na cidade quando pulverizou agrotóxicos em toda a cidade, com um avião, num caso que ficou famoso à época. "Fugimos das lavouras de fumo no Sul, onde eu já tinha me intoxicado, mas aqui as plantações de algodão e soja também têm muitos agrotóxicos. As pessoas passam mal e não sabem a causa".
O principal desafio dos médicos é provar os danos causados pelos agrotóxicos, já que os sistemas nacionais têm índices imensos de subnotificação, segundo a pesquisadora da Fiocruz e coordenadora do Sistema Nacional de Intoxicação (Sinitox), Rosany Bochbochner: "Os médicos não são capacitados para diagnosticar as intoxicações. Isso cria brechas que as empresas usam para desqualificar os dados". A pesquisadora da Universidade Federal de Ceará Raquel Rigotto estuda agricultores na região do Baixo Jaguaribe (PE), onde a fruticultura irrigada cresceu com a chegada de transnacionais. Ela pesquisou 545 agricultores e concluiu que 30,7% deles apresentavam sintomas de intoxicação no momento da entrevista. "O número de intoxicações é altíssimo, mas o SUS (Serviço Único de Saúde) não está pronto para identificar".
fonte: O Globo