Cerca de 20 famílias da comunidade quilombola de São José de Bruno, localizada em Matinha, no Estado do Maranhão, estão sendo ameaçadas e intimidadas por um fazendeiro local. O fazendeiro colocou um homem armado na região para pressionar os membros da comunidade a saírem das terras restantes. Há cerca de três meses, um fazendeiro local invadiu parte do território da comunidade São José de Bruno, desmatou e cercou parte da área e soltou seu gado ali, impedindo que algumas das famílias mantivessem seus cultivos na área. Após diversas tentativas por parte da comunidade de protestar contra as ações ilegais do fazendeiro, ele contratou um homem armado para patrulhar a região.
O fazendeiro também ameaçou, verbalmente, alguns membros da comunidade e disse que pretendia tomar as terras, que pertenciam a ele e que "isso poderia até mesmo resultar em mortes”. São José de Bruno é o lar de cerca de 20 famílias e já foi oficialmente reconhecida como território quilombola em setembro de 2013. Em dezembro de 2013, o Instituto de Terras do Maranhão (Iterma) formalmente reconheceu o direito da comunidade à terra, uma área de cerca de 380 hectares.
Os moradores de São José de Bruno dizem que denunciaram as ameaças contra a comunidade no passado e a recente presença de um homem armado às autoridades locais e à polícia. Entretanto, não houve resposta ou ação das autoridades. Em setembro de 2014, a comunidade registrou um boletim de ocorrência na delegacia de polícia local. Semana passada, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais também entrou com uma petição requerendo que o Estado tomasse providências para proteger as terras da comunidade contra invasões.
A presença de um homem armado criou uma atmosfera de medo e intimidação que tem sido agravada pela falha do estado para responder ao apelo da comunidade por proteção.
Conflitos por terra e ameaças de violência e ataques contra comunidades rurais e quilombolas são frequentes no Estado do Maranhão. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), cinco líderes rurais comunitários já foram mortos em 2014 como resultado de conflitos por terra no Estado.
Contexto
A Constituição brasileira de 1988 (artigos 215 e 216) reconhece os direitos das comunidades descendentes às terras historicamente ocupadas por quilombos. Em especial, o artigo 68 das Disposições Transitórias declara que "aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.
Uma série de leis federais e estaduais tem sido introduzidas para regular como as terras quilombolas são identificadas e como as titulações serão dadas às comunidades remanescentes. O Decreto Presidencial nº 4.887de 20 de novembro de 2003 regula os procedimentos de identificação, demarcação e titulação de terras para comunidades quilombolas.
Somando-se à legislação nacional, o Brasil é parte na Convenção nº 169 sobre Povos Indígenas e Tribais, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), na Convenção Americana de Direitos Humanos e na Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, as quais reafirmam os direitos dos grupos afrodescendentes à cultura e à terra, bem como o fazem os princípios de não discriminação e igualdade anteriores à lei.
Existem mais de 3 mil comunidades quilombolas no Brasil. Centenas de procedimentos administrativos se iniciaram junto ao Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), mas menos de 10% das comunidades receberam seus títulos de terra. Só no Estado do Maranhão, existem cerca de 1 mil comunidades quilombolas.
A pouco mais de 400 delas foi emitida a certificação da Fundação Palmares e estão esperando que o Incra siga os passos necessários seguintes para finalizar o processo de titulação da terra.
De 2003 – quando o Decreto 4887 foi publicado – até agora, o Instituto não emitiu nenhum título de terra para quaisquer das comunidades quilombolas do Estado do Maranhão.
Esse processo extremamente lento para reconhecimento das comunidades quilombolas e titulação das terras coloca as comunidades em situação de vulnerabilidade em termos de moradia e produção de alimentos, mas também as coloca em risco de ameaças e ataques diretos por parte de donos de terra e homens armados que atuam para tomar essas terras.
Fonte: MST