Nesta última terça-feira, dia 29/04, poucos dias antes da celebração do dia internacional do trabalho, o poder judiciário em Pernambuco lançou provas de conivência e de concordância com as violências e crimes praticados contra os trabalhadores rurais no estado. Na data, foi julgado no Tribunal Regional Federal, Recife/PE, o recurso de apelação interposto pelos supostos proprietários do Engenho Contra Açude, localizado em moreno / PE, contra a condenação de 7 anos e 11 meses pela prática de trabalho escravo. A decisão do julgamento, contrária a tomada na primeira instância, não reconheceu a prática de Trabalho Escravo nos canaviais do Engenho Contra Açude praticadas por Fernando Vieira de Miranda e seu irmão José Marcos de Miranda.
O advogado de defesa dos supostos proprietários do Engenho argumentaram que o descumprimento de leis trabalhistas é normal, natural e não se configura como um crime passível de condenção no país. Os argumentos deixaram em choque as famílias de trabalhadores rurais e moradores do Engenho que acompanhavam o julgamento. No entanto, o que parecia impossível de ser aceito por uma esfera judicial aconteceu: os argumentos foram acolhidos por 2 dos 3 desembargadores que compunham a Segunda Turma do Tribunal. O desembargador relator do processo, Dr. Vladimir Souza Carvalho, também considerou normal e natural as condições de descumprimento de leis trabalhistas encontradas no Engenho Contra-Açude, bem como o contexto de violações de direitos na Zona Rural do Nordeste, especialmente na indústria da cana de açúcar.
De acordo com André Barreto, advogado que acompanha os trabalhadores e trabalhadoras rurais que foram escravizados, "a tese acolhida na decisão desconsidera o conceito de trabalho escravo já existente no sistema jurídico brasileiro, presente no Código Penal. Condenar os trabalhadores rurais a condições de trabalho degradantes e desumanas, que houve neste caso com a violação deliberada e sistemática dos direitos trabalhistas básicos, é sim trabalho escravo, pois é uma afronta a dignidade humana". Mesmo com a decisão favorável aos proprietários, os trabalhadores rurais seguirão dedicados aos próximos passos da batalha judicial para que os proprietários sejam punidos pelo crime de Trabalho Escravo.
Os trabalhadores e trabalhadoras rurais, que viviam há aproximadamente 50 anos no Engenho Contra-Açúde foram encontrados em situações análogas ao trabalho escravo em 2007. Em 2012, o caso foi julgado em primeira instância e os proprietários, condenados por sete anos e onze meses pelo crime. A partir deste episódio, os trabalhadores e trabalhadoras rurais deram início a uma batalha judicial para que as terras do Engenho Contra Açude fossem desapropriadas para fins de Reforma Agrária por não cumprirem com a sua função social. Além disto, há denúncias de que os supostos proprietários tenham adquirido documentos falsificados do imóvel. Os trabalhadores e trabalhadoras rurais que ali residem possuem uma história extensa de violência, violações de direitos humanos e de ameaças de morte, consequência dos conflitos trabalhistas e da reivindicação da desapropriação das terras. Para conhecer detalhadamente o histórico de conflito no Engenho Contra-Açude, clique aqui
Depoimento do Padre Tiago Thorlby sobre o julgamento
3a à tarde, 29 de abril 2014: Tribunal Regional Federal, Recife-PE.
Julgamento do recurso dos donos do Eng. Contra Açude contra a condenação de 7 anos e 11 meses pela prática de trabalho escravo.
Moradores do Engenho Contra Açude estavam presentes.
Advogado dos donos: o que o povo passou no engenho é normal para moradores de engenho do Nordeste. Aos olhos do mundo civilizado, a realidade apresentada pelos fotos no processo pode ser considerada "feia". É a realidade do "nosso" campo. Mas os moradores estavam nesta situação por livre e espontânea vontade. Não concordaram em ser demitidos. Os moradores optaram para ficar no engenho.
Na Zona Rural, é preciso distinguir entre trabalho degradante e trabalho escravo.
Finalizando a favor dos seus clientes, este apelo: a liberdade é o maior patrimônio que o ser humano tem.
O relator, Dr Vladimir Souza Carvalho: as condições no Eng. Contra-Açude - são iguais às condições na Zona Rural do Nordeste, especialmente na indústria da cana de açúcar.
Debate entre os desembargadores: os fatos denunciados - normal para o Nordeste do Brasil; não pagar impostos/tributos - não é um crime que constrange o público; não houve coação - não há trabalho escravo.
A maioria votou a favor da defesa feita pelo advogado. O outro juiz votou a favor "em parte".
... e os moradores que vieram do Eng. Contra Açude ao ouvir da boca dos juizes:
- que a situação deles é "normal" ...?
- que não pagar tributos não é fato que "constrange" ...?
- que os fatos denunciados são "normais" para o Nordeste do Brasil ...?
E eu, representando a CPT? Sentí uma profunda vergonha.
Não sentí surpresa diante deste judiciário.
Sentí uma profunda vergonha, uma vergonha que me chacoalhou.
Me chacoalhou e me firmou na certeza de redobrar o passo diante da perplexidade, do espanto, da descrença dos que são tratados de forma "normal".
(Baseada em anotações feitas na audiência, das 13.28 às 14.00 horas da 3a feira, 29 de abril no Tribunal Regional Federal, Recife-PE.)
Outras informações:
Comissão Pastoral da Terra – Regional Nordeste II
Fone: (81) 3231.4445